sábado, 13 de outubro de 2007

Análise em praça pública


Numa conversa com um amigo psicanalista, comparávamos Caetano Veloso e Chico Buarque, de vários ângulos, como letristas, como melodistas e harmonistas, como figuras públicas.

Como letrista, tecnicamente falando, Chico ganhou longe, até Caetano concordaria. Chico, se escrevesse em inglês, seria tão famoso e respeitado como Cole Porter.

Melodista e harmonista são duas palavras feiinhas, quase tanto quanto feeinha, mas úteis para referir quem lida com os outros dois aspectos da canção, a melodia (sem a qual não há canção) e a harmonia (sem a qual há, mas que, uma vez, inventada no século XIX, praticamente nunca mais se fez canção, ou mesmo música pura, sem se basear nela). Ainda de passagem, outra palavra esquisita em português designa o compositor de canções, que no Brasil é conhecido como compositor: o certo seria cancionista. Em inglês é mais legal: Cole Porter não é composer, é songwriter.

Voltando à vaca fria, chegamos à conclusão que, na parte musical, Chico é mais sofisticado, rebuscado ou elaborado, mas traz um ranço melancólico, um coisa que gosto de chamar de banzo. Caetano, mais simples, é mais divertido, mais “generoso” (usa mais gêneros).

Quanto à parte pessoal, deu Chico como elegante, bem resolvido, vindo de família mais fina, e Caetano como mais importante psicologicamente, justamente porque mais mal resolvido: ele se torna importante por fazer análise em praça pública. Vira referência, ponto de discussão, polêmica. O Chico, a gente já sabe o que ele pensa faz tempo: ele gosta de futebol, de Cuba e ninguém tem dúvida que seja hetero.

Tudo isso pra dizer que estou pensando em parar com o blog. Ando cada vez mais constrangido de fazer análise em praça pública. E, mesmo que goste de escrever sobre coisas que estudei, como música e canção, o que sempre me motivou foram as coisas que vinham de dentro do coração, ainda meio sujas de sangue.

Prefiro Caetano como pessoa, gosto mais dele, devo mais a ele. Mas as pessoas que acompanham o blog precisariam entender porque escrevo cada vez menos, não é? E também para o caso as postagens cessarem de vez ou de o blog sumir.

Juro que não é chantagem porque ninguém comentou a postagem anterior: quem sabe não ando mais bem resolvido...

15 comentários:

Unknown disse...

Mas será mesmo uma análise? Não é apenas uma conversa com outros interessados no que você tem a dizer?

Eu sei que migrei da Folha pra cá atrás disso, não de alguém revelando podres ou contando intimidades, nem pra me divertir num blog chamado "Hermelino, depressão e fama".

Trata-se de um bar assíncrono, e é legal estar na mesma mesa de alguém que tem algo de interessante a dizer.

Hermelino Mantovani disse...

Rodrigo,

Como sempre você é generoso e inteligente: "bar assíncrono... alguém que tem algo interessante a dizer".

anna disse...

assim como eu, 98% das mulheres da minha geração não desperdiçariam nenhum dos dois.
entendo que caetano canta sedutoramente para a mulher e o chico canta com alma de mulher.

Hermelino Mantovani disse...

Anna,

Que bom tê-la de volta.

A idéia nunca foi descartar nenhum dos dois. Aliás, quem poderia? Apenas nos permitimos comparar ícones visíveis e fundamentais.

beijo do Hermelino

Ata disse...

Concodo com o Rodrigo.
Comento pouco, mas sempre dou uma passada.

Representa para mim uma oportunidade para ler algo interessante, inteligente, que (mesmo às vezes, nao concordando) me faz parar um pouco e pensar, além de me permitir escapar um pouco da linguagem cartesiana que estou mergulhado na química.Se você desaparece com o blog logo teremos que criar outro para os orfãos do "D&F".

Um grande abraço,
Ata.

Ata disse...

Sobre Chico & Caetano, sou bastante passional. Adoro praticamente tudo que ouvi do Chico. Ouço uma e outra vez suas músicas e sempre há algo que me faz gostar ainda mais. Quanto ao Caetano, gosto do ritmo, da alegria, mas não poderia ouvi-lo todos os dias.

Hermelino Mantovani disse...

Obrigado, Ataualpa.

Ata disse...

Já que estamos falando de música, vou aproveitar para fazer a pergunta tonta do dia. Primeiro, esclareço que mesmo adorando música, não entendo absolutamente nada de teoria.

Você comentou algumas características ao comparar Chico e Caetano, gostaria de aproveitar para esclarecer uma curiosidade minha. Como você faria um paralelo como este sobre dois dos mais "pops" da música clássica como Beethoven e Mozart? No que eles se parecem/diferenciam (para leigos, por favor) e qual a maior contribuiçao que cada um deixou?

Anônimo disse...

olha... Nesse farto material vindo desse universo paralelo, que paira sobre nossas cabeças, entra pelo cabo de rede e brilha colorido em nossas telas, pouco REALMENTE me interessa. Sou muito seletivo, confesso,e até um pouco (?) preconceituoso. E também confesso que vibro quando acho algo que realmente me toca, me faz pensar, me faz sentir vivo (como o texto preciso do Zeca Baleiro, analisando aquele outro texto, do Luciano Huck. Faz toda a diferença pra mim). Por isso que lamentaria muito perder os teus textos (nossos, no momento que são publicados) por que de certa forma, daria um gosto amargo de derrota para a mediocridade reinante na rede, no mundo.

Hermelino Mantovani disse...

Ataualpa,

Acho que a maior contribuição que o Beethoven deixou foi a racionalidade e a economia transformadas em beleza, em música; Mozart deixou a demonstração de que para a arte, a liberdade é mais importante do que a racionalidade e a economia, mesmo para alguém de sangue germanico, austríaco, prussiano.

Putz, Sergio Murilo, você me deixou numa enrascada: me elogia, me dá uma força bacan, e me compara com o Zeca Baleiro. Mal consegui passar das primeiras linhas do texto dele sobre o Rolex.

Leituras disse...

Entenda-se que comparar com o Zeca Baleiro não é bom?

Hermelino Mantovani disse...

Caro Irajá, sei muito bem o que você acha do Zeca Baleiro. O que foi mesmo que o Caetano disse dele?

Leituras disse...

O que o Caetano disse eu não sei, mas um amigo meu (não você) disse: "rapaz, se ele escreve rascunho bom assim, imagina quando ele começar a passar a limpo!"
O que o Caetano disse? Agora fiquei curioso.

Hermelino Mantovani disse...

Ele não disse que o Roberto Carlos era o melhor compositor de música ruim do Brasil, e que o Baleiro era o pior compositor de música boa?

Alguém me disse isso, e eu jurava que tinha sido você.

Bem, eu gosto de RC e do "Juraci, que parque", do ZB.

Leituras disse...

Não, a versão que eu conheço é que o Eduardo Gudin atribui ao Tom Jobim a frase: "Roberto Carlos é o melhor compositor de música ruim do Brasil e o Sérgio Ricardo o pior compositor de música boa".
Quanto a gostar do Juraci, que parque, sou da opinião que cada um tem direito de fazer com o seu próprio corpo aquilo que bem quiser.