terça-feira, 31 de julho de 2007

Quem prega e vive o Amor verdadeiramente, leva bala



Ok, Hitler, Mussolini, Ceausescu e sua Elena tiveram mortes violentas. Dá para entender dada à ideologia que pregaram e à maneira como exerceram o poder.

Mesmo Lincoln, apesar do grande homem que foi, teria seu assassinato inteligível porque liderou uma guerra civil, fratricida.

O assassinato de John F. Kennedy não me comove especialmente: o cara não era nenhum santinho.

Mas como explicar que Jesus, Ghandhi e John Lennon tenham sido assassinados a não ser pelo lugar comum de que o amor, quando pregado e exercido de forma verdadeira, gera inveja e ódios insuportáveis?

Vocês devem ter outros exemplos desses personagens assassinados, tanto do ódio como do Amor. Vamos fazer uma lista? Chico Mendes e aquela freirinha americana entrariam na coluna do Amor? E Sócrates, que pregou o auto-conhecimento – auto-conhecimento é a base para o amor?

Fui assistir ao filme Bobby, sobre o assassinato de Robert Kennedy. Ele queria que os EUA fossem uma nação compassiva e generosa com seus pobres e etnias, e com o resto do mundo. E, também, que fossem um liderança ecológica.

Na década de 60.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Hildegard, a holandesa voadora, e eu, robô

Hildegard me ajudou a fazer as pazes com os cabinhos amarelos nojentinhos que saem do cérebro e coluna vertebral e percorrem todo o corpo transmitindo ordens e emoções. Num de seus comentários à postagem O corpo humano é uma coisa nojenta, ela escreveu: “estou olhando para o meu computador que tem ‘janelinha’ no gabinete. Lá dentro tem cabinhos de várias cores, plaquinhas, luzes azuis e verdes que piscam e um ventilador que roda constantemente. Acho o máximo, me lembra um cérebro, adoro olhar lá dentro!”

Eu havia dito que a ‘vida’ digital era menos asquerosa que a humana, tinha me esquecido do ponto de vista físico da vida digital.

“O corpo humano é uma máquina linda e útil, que, sim, um dia quebra de vez como todas as máquinas. Mas pense no prazer que o seu corpo pode te proporcionar! Antes da morte, o corpo e a alma estão indissociavelmente ligados (pfffff, custou traduzir ‘onlosmakelijk verbonden’, rs), mas eu não diria que a alma fica presa ao corpo. A alma é capaz de (ab)usar do corpo, mas não precisa dele. O corpo, por outro lado, não é nada sem a alma.”

Embora eu realmente não ache o interior do corpo humano uma máquina linda, o comentário de Hilde me lembrou os filmes Eu, robô e Blade runner. Em ambos, robôs e andróides começam a experimentar emoções e até a temer a mortalidade. Esses “progressos” das máquinas me sensibilizaram e me fizeram torcer por elas, apesar das engrenagens de plástico e da graxa, dos líquidos brancos, das molas nas pernas do robô. Identifiquei-me com seu desejo de sentir.

Coitados, se começassem a sentir realmente, o próximo passo seria desejar a felicidade.

Mas não dá, mesmo para um deprimido, deixar de ver a plenitude desses desejos. Sentir-me como robô ou andróide que querem viver na plenitude da vida humana foi estranhamente bom: me reconciliei um pouco com os cabinhos amarelos.

Meu próximo objetivo é passar a torcer por mim.


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Na semana que vem, não vou escrever. De férias, vou para um lugar onde não há internet: mais fundo na concha. Mas, por favor, escrevam se tiverem vontade. Quando voltar, os comentários me ajudarão, como têm me ajudado, como o da Hilde.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Budismo


A mulher mais importante da minha vida descobriu o budismo. Ela dá notícias de que está lhe fazendo muito bem.

Esses dias, encontrei uma ex-colega de trabalho que virou budista, quase monja. Ensina os ensinamentos. Ela é professora de um primo meu, que também vai acabar monge: ele até já ensina, vai dar uma aula, nos próximos dias, sobre a concha, um símbolo budista. Deve ser cheia de significados, dá até para imaginar.

Fiquei pensando que a única concha por que me interesso sou eu mesmo. Por isso, sou da psicanálise. Com exceção dos meus rebentos, não estou interessado no mundo, em quase mais ninguém. Vivo fechado na concha, estudando ela. De vez em quando, solto uma pérola como esta. Ainda bem que pérola também tem vários significados.

Contei para a quase-monja, ex-colega, que a mulher mais importante da minha vida vai à Monja Cohen. Ela disse que é de outra linha, japonesa, diferente da dela, tibetana, mas que é legal também, etc et tal. Não dá para imaginar um budista falando mal de outro, mas deu para sentir que há diferenças. Budista é ser humano.

Também contei que um amigo participou de um retiro espiritual com meditação e técnicas de respiração baseadas no budismo. Que a princípio, ele estava meio descrente, mas depois viu que funciona. “É incrível, você começa a respirar do jeito que eles falam e não imagina o barato que dá!” Eles, no caso, são um pessoal que aproveitou a meditação do budismo, mas retirou a parte dos ensinamentos e dos símbolos. Ficou mais ocidental.

Aquele meu primo já tem altarzinho em casa. A mulher mais importante disse que vai pôr um também. Disse que não fede e não junta formiga, que a comida não apodrece porque tiram antes.
Do pouco que sei do budismo, sempre me pareceu a religião mais próxima à psicanálise, esta a ferramenta mais anti-religião que já inventaram para lidar com angústia, desespero, aflição, ansiedade, the works. Outro dia, formulei que o budismo, no oriente, corresponde à psicanálise, no ocidente. Uma pérola.

A mulher-mais disse que não é religião, é filosofia. A quase-monja disse que é religião, sim, com cara de ‘vamos falar português claro’. Essa ex-colega é uma pérola rara. Ela foi presa nos tempos da ditadura. Alguém me disse que foi torturada e deportada. Não sei se é verdade. Sei, porque ela me contou, que os milicos cortaram seus longos cabelos loiros e ela, chorando, gritou para eles “vocês cortaram meu cabelo porque tinham inveja dele”. Acho que tinha uns quinze anos.

Também falou de seu trabalho na França, talvez deportada, como faxineira, dessas que vestem uniforme terceirizado. Disse que ninguém a cumprimentava, que ela se sentia invisível. Desde então, passei a cumprimentar todos os trabalhadores de uniforme. Se bobeio, chamo pelo nome e sorrio. Eles sorriem de volta. Isso, muito antes da tese famosa, acho que paulista, com garis, que demonstra que a ralé-pária de uniforme é invisível de fato. Mesmo que o uniforme seja berrante, laranja.

Quando ela virar monja, vai ficar careca, como sua irmã, que já é as duas coisas, monja e careca. Mas desta vez, não haverá ninguém com inveja envolvido.

Na hora de despedir, nos abraçamos longamente, carinhosamente. E a quase-monja disse “sempre te vejo com amor”. Frase de budista. Eu disse “também sempre te vejo com amor”. Frase que um psicanalisado pode dizer, sinceramente, para um budista.

sábado, 7 de julho de 2007

O corpo humano é uma coisa nojenta


Fui à exposição na Oca, o Corpo Humano. Como diz meu amigo gay, mexeu muito comigo. Achei nojento. O que achei mais nojento foi o sistema nervoso: descem uns cabinhos amarelos, uns finos, outros grossos, do cérebro até as pontas dos dedos do pé. O sistema circulatório, todo isolado do resto – como é que conseguiram isolar? –, é lindo, uma obra de arte do cara que inventou a exposição. Mas essa beleza não bate a nojeira do resto.

A cor amarela dos cabinhos é nojenta. E o cérebro, o órgão mais humano do corpo, tem aquele aspecto de miolo de boi que eu comia quando era criança, à milanesa. A cor amarela dos cabinhos nervosos e o formato do cérebro, todo enrugado para caber no crânio, foram os vice-campeões do nojo.

O campeão foi uma idéia. Estou muito acostumado ao mundo do computador, da TV, do cinema e da literatura, em que as realidades virtual e digital fazem tudo automático e romântico, bem acabado e eufêmico, sem cabinhos nojentos como os postes e fios de eletricidade que dão às nossas ruas um aspecto de século XIX, sujo, concreto e anacrônico: a realidade interna do corpo humano está ultrapassada. Ficou evidente que os andróides, mistura de corpo, robótica e chips, tomarão a terra do futuro.

Ver que as ordens vão do centro de comando, já nojento, até as extremidades, por meio dos cabinhos amarelos nojentinhos, me deu uma noção melhor – no sentido de pior, mais realista – do que acontece dentro das pessoas, daquela gostosa ali, a caminho do mar. E acabou com a idealização romântica que ainda me restava sobre sermos mais alma que corpo, mais arte que ciência, mais emoções e sentimentos que razão, mais sonhos que administração do dia-a-dia. Acho que evoluí como pessoa, no sentido de que a realidade é melhor do que sonhos. Mas esse insights realistas são sempre uma merda; e merda é coisa de corpo humano. Alguém já viu algum ex-viciado realmente feliz, sem recorrer a novas fantasias religiosas?

Me deprimiu mais que o habitual. Tô de cama. Não sei como consegui escrever isto aqui. Deve ser porque meu subterrâneo, os Comentários, anda muito povoado. Estou achando tão legal o que acontece nos subterrâneos, mais vivo e mais importante do que o que acontece aqui na página de rosto, que precisei dar continuidade, botar pilha. O último post bateu recorde de comentários, 20. Tudo bem que a conta contém as minhas respostas e os comentários excluídos por arrependidos: isso faz parte do inconsciente, as exclusões, as tentativas de esquecer, de não ver, e das respostas e tentativas do ego de contatar o id e o superego.

Os subterrâneos do meu blog e da minha mente são mais bonitos que o subcutâneo do meu corpo. Um dia, ele estará totalmente subterrado. Ainda que bem que meus trabalhos, inclusive o blog, têm alguma chance de sobreviver a ele.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Músicos são caipiras que tocam o sublime

Músicos são artesãos: eles lidam com palheta de bambu, breu para a crina do arco, calibre de corda, pedal de guitarra. Estão preocupados com habilidade manual. Só que, dada à contingência única de a música ser uma linguagem feita de sons, como a fala, mas de outros tipos de sons, que não significam nada verbalmente e, justamente por isso, falam diretamente aos nossos sentimentos, os músicos lidam com um material que toca a alma.

As mulheres amam os músicos. Mulheres jovens ou pobres de espírito, das que gritam histéricas para o Beatles (música sublime) e para o Harmonia do Samba (música de chiqueiro). E os músicos, amados pelas mulheres, se acham no máximo: não lêem e não fazem análise. No apogeu de seu desenvolvimento, se convertem ao budismo.

Claro há exceções, mas exceções existem com o propósito único de confirmar regras.

Cineastas comandam exércitos e todas as outras artes e acham que música só serve como trilhas sonoras. Consideram seu trabalho mais importante que a cura do câncer. Quando cineastas conversam, a gente se cala e escuta, embasbacadamente. E sai de fininho, para não ter que sorrir condescendentemente. Se estão num ambiente com música ao vivo, eles não interrompem sua conversa, muito mais importante que a música e a atmosfera de celebração que só a música pode criar.

Os artistas mais úteis são os escritores, que lidam com a linguagem mais prosaica, a fala e, assim, podem se comunicar com a maioria. E também porque lidam com os pensamentos e os sentimentos mais complexos. Um escritor pode mudar a vida de uma pessoa, muito mais do que qualquer outro artista. Todos os artistas tocam o sublime, nos oferecem objetos de contemplação, de beleza sublime. Mas quase todos são malucos, como Picasso. O escritor tem a chance de se melhorar, como ser humano, por força do próprio ofício. Ele é obrigado a pensar com mais linearidade, a lógica da linha, do papel ou do computador, a qual é abolida pela poesia. A linha concatenada, lógica, aproxima a prosa da ciência e da matemática, nossas melhores fontes para a verdade, a realidade e a exatidão. Menos fantasia. As artes são o reino da fantasia, do belo e do erro, onde o errado pode ficar bonito e humano. As religiões primam por ser o reino do erro, do inverificável e da fantasia; da paz de espírito, para quem despreza ou teme a verdade e a realidade.

Cineastas conseguem ser úteis porque a base de seu trabalho é a literatura. Música não é eficaz ao desenvolvimento pessoal, mas a Educação Musical, sim. Como o xadrez.

Poetas são menos importantes que os romancistas porque a musicalidade da poesia os atrapalha. A música os faz valorizar mais a forma. E eles desprezam a linha. Recomenda-se eliminar as rimas e aliterações da prosa: para ela se distanciar da poesia, e por tabela, da música. A rima e o ritmo da poesia desviam o pensamento racional do leitor.

Os homens mais importantes da história se comunicaram pela prosa: Shakespeare, Tolstói e Freud. E todos os cientistas. Mas nada é perfeito, a Bíblia e todos os outros textos religiosos também são... textos.

Guilherme de Almeida Prado, o cineasta para quem musico todos os filmes desde A Dama do Cine Shanghai, me deu Ela, de Rubem Fonseca. Hoje chorei muito lendo o conto Alice.