terça-feira, 13 de novembro de 2007

My space


Não sei se ficou muito claro: o link que deixei na última postagem é de outro serviço oferecido pelo Google, de que os compositores têm lançado mão ultimamente para divulgar seu trabalho. É gratuito como o blogspot e se chama myspace. Funciona como um orkut musical, pelo que entendi até agora. Vou explorar melhor e depois conto mais. Sou ruim com essas tecnologias, mas uma amiga está ajudando, a Thais Roldan.

Postei lá três canções, duas delas, parcerias com Luiz Pinheiro: Na de casal e O marginal [zero], ambas do repertório de Cássia Eller. A primeira é cantada por Zuleika Walther e O marginal, pelo próprio, digo, por Luiz Pinheiro. Ambas estão no nosso CD Cássia secreta que contém as nossas canções que a Cássia cantava.

A terceira é Poltrona verde, uma parceria “póstuma”, digamos assim, com Caio Fernando Abreu, que deixou essa letra no seu romance mais famoso Onde andará Dulce Veiga?. Musiquei o poema para a trilha do filme homônimo, que já foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e será lançado em breve no circuito.

Na versão do myspace, eu canto a música com Carolina Dieckmann. No filme, ela canta sozinha; só faço uma pontinha como saxofonista, e não ao seu lado, mas ao de sua “mãe”, Maitê Proença. Ambas as personagens são cantoras.

Espero que vocês gostem. Me fez bem ter um espaço musical na rede, complementar ao blog. Olha o link de novo: http://www.myspace.com/hermelinoneder

sábado, 13 de outubro de 2007

Análise em praça pública


Numa conversa com um amigo psicanalista, comparávamos Caetano Veloso e Chico Buarque, de vários ângulos, como letristas, como melodistas e harmonistas, como figuras públicas.

Como letrista, tecnicamente falando, Chico ganhou longe, até Caetano concordaria. Chico, se escrevesse em inglês, seria tão famoso e respeitado como Cole Porter.

Melodista e harmonista são duas palavras feiinhas, quase tanto quanto feeinha, mas úteis para referir quem lida com os outros dois aspectos da canção, a melodia (sem a qual não há canção) e a harmonia (sem a qual há, mas que, uma vez, inventada no século XIX, praticamente nunca mais se fez canção, ou mesmo música pura, sem se basear nela). Ainda de passagem, outra palavra esquisita em português designa o compositor de canções, que no Brasil é conhecido como compositor: o certo seria cancionista. Em inglês é mais legal: Cole Porter não é composer, é songwriter.

Voltando à vaca fria, chegamos à conclusão que, na parte musical, Chico é mais sofisticado, rebuscado ou elaborado, mas traz um ranço melancólico, um coisa que gosto de chamar de banzo. Caetano, mais simples, é mais divertido, mais “generoso” (usa mais gêneros).

Quanto à parte pessoal, deu Chico como elegante, bem resolvido, vindo de família mais fina, e Caetano como mais importante psicologicamente, justamente porque mais mal resolvido: ele se torna importante por fazer análise em praça pública. Vira referência, ponto de discussão, polêmica. O Chico, a gente já sabe o que ele pensa faz tempo: ele gosta de futebol, de Cuba e ninguém tem dúvida que seja hetero.

Tudo isso pra dizer que estou pensando em parar com o blog. Ando cada vez mais constrangido de fazer análise em praça pública. E, mesmo que goste de escrever sobre coisas que estudei, como música e canção, o que sempre me motivou foram as coisas que vinham de dentro do coração, ainda meio sujas de sangue.

Prefiro Caetano como pessoa, gosto mais dele, devo mais a ele. Mas as pessoas que acompanham o blog precisariam entender porque escrevo cada vez menos, não é? E também para o caso as postagens cessarem de vez ou de o blog sumir.

Juro que não é chantagem porque ninguém comentou a postagem anterior: quem sabe não ando mais bem resolvido...

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ética e estética se confudem: ainda bem!

Ando realmente ligado em como a beleza nos inspira a ser melhores.

Atitude bonita é uma expressão da relação entre ética e estética.

Dizem que a arte precisa do ócio. Em outras palavras, precisa de tempo e de paz. Cervantes escreveu o maior romance de todos os tempos na cadeia. Sei lá como encarar a relação entre cadeia, ócio, tempo e paz, parece bastante complexo. E a gente sabe que determinadas pressões são realmente produtivas, que há pessoas que só produzem sob pressão.

Na verdade, eu gostaria de afirmar que é preciso abaixar a ansiedade para se produzir estética e ética, mas nem isso parece afirmável.

Como é complexa a vida humana. E deve vir dessa complexidade o fato de precisarmos tanto da beleza.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Beleza, arte e esperança

O papel da beleza e da arte é nos dar esperança. Na verdade, trata-se apenas de beleza: aquela criada pela natureza e a criada pelo homem. Diante do belo, do bem acabado, sentimos que algo maior é possível, foi alcançado.

Isso nos dá a esperança de fazer alguma coisa boa com nossa vida.

(É bom ter cuidado com as pessoas bonitas. Se forem apenas bonitas, ou seja, se não criaram uma "obra de arte" com sua própria vida, a esperança que nos despertam pode ser enganosa.)

sábado, 1 de setembro de 2007

Depressão e fama

Fama é felicidade testemunhada, acompanhada. Depressão é infelicidade solitária.

Deveria ser o contrário: felicidade solitária, íntima. E infelicidade acompanhada.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Agora eu tenho tempo


Segunda-feira, dia mais ou menos tradicional de postar. Tenho apenas vontade de dizer que vivo um paradoxo mais ou menos feliz: quanto mais envelheço, sinto que há mais tempo. “Agora, eu tenho tempo”. Essa frase me ocorreu esses dias, assim, do nada, de dentro, sem que fizesse força para pensá-la.

Acho que fiquei menos ansioso ao perceber que corria atrás de coisas que só me deixavam ansioso: casamento e fama. A cultura, a sociedade, a educação, a religião, o cinema, a TV, e mesmo a psicanálise nos colocam parâmetros de sucesso – estar casado, ser rico, famoso, bonito etc. – que podem não corresponder àquilo que um determinado indivíduo precisa de fato. De todos os equívocos, o casamento é o pior. Nascemos e morremos sós, nossos sentimentos e emoções mais poderosos são íntimos, incomunicáveis ao pé da letra. Como podemos nos orientar para uma felicidade apenas se compartilhada? Entretanto, ‘estar casado’ é apreciado até para candidatos à Sociedade Psicanalítica. É quase como escolher empregada doméstica evangélica: essa não vai roubar.

Acredito que feios, solitários, remediados, anônimos, deficientes físicos, doentes etc. possam ser felizes. Epicuro já mostrou o caminho: procurar o bem-estar, o prazer. Não de forma imediata, priápica, drogada, mas o norte é o prazer. Cada um pode descobrir onde encontrar sua paz de espírito. E a felicidade é por aí: paz interna, ansiedade baixa. E não precisa de final feliz com multidão aplaudindo, como é comum em filmes americanos, em que a felicidade precisa de testemunha. Pelo contrário, muito pelo contrário, quanto mais íntimo, melhor. Apesar de tão antigas, essas noções não estão bem colocadas na cultura.

O nunca assaz louvado também já tocou a mesma melodia: a cultura, até a sagrada Educação, nos leva a equívocos perigosos. Numa nota de rodapé de seu Mal-estar da civilização, diz que a educação não orienta os jovens a lidar com a sexualidade e a agressividade fundamentais que encontrarão em si mesmos e na realidade. “Ao encaminhar os jovens para vida com essa falsa orientação psicológica, a educação se comporta como se se devesse equipar pessoas que partem para uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos”. Segundo Freud, a educação deveria dizer: “é assim que os homens deveriam ser para serem felizes e tornarem os outros felizes, mas [vocês] terão de levar em conta que eles não são assim”. Entretanto, “pelo contrário, os jovens são levados a acreditar que todos os outros cumprem essas exigências éticas – isto é, que todos os outros são virtuosos”.

...

Hilde, em comunicação paralela, ou seja, fora dos comentários do blog, me alertou que quem entrar no blog hoje não vai entender nada. Por culpa minha: tenho trazido o subterrâneo à tona, tirado dos Comentários. Ela acha que preciso manter a página de rosto com artigos. Que técnico seria eu se não ouvisse meio-campistas como Zito, Didi, Dunga, Gérson, Tostão e Pelé? Um comentário como esse, da analogia vida-futebol que rola nos Comentários atualmente, segundo ela, não seria entendido.

Mas perdi o fôlego para artigos longos. Pelo menos, por enquanto. Ou graças a Deus.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Acho que eu é que vou pro banco

Hilde continua distribuindo o jogo. Meio de campo nata.

Jogo bem distribuído fica alegre.

Tô pensando em escrever sobre uma coisa que vi, comum entre Epicuro e Howard Gardner, mas cadê a energia?

Resumidíssimamente, os dois acham que dá para começar a ser feliz em qualquer idade. Olha só que pensamento alegre.

Acho melhor eu ir pro banco, melhor ficar de técnico. O time não concorda? Onde já se viu jogador sem energia?

sábado, 11 de agosto de 2007

Deprê demais até para escrever 2

Queridos do time dos subterrâneos: desculpem.

De novo, me sinto rente ao asfalto, e desta vez, pior, sem frases de pára-choque. Aliás, ontem vi uma legal: “Matheus, minha vida”. Só pode ser de um pai, não é? Quem pensou em motorista de caminhão gay, tem a cabeça muito suja.

Fiquei feliz que a Gloria do Malavoglia Brothers escreveu depois de tanto tempo. Acho que a Gloria poderia ser nossa goleira, goalkeeper, a que guarda a meta: pelo que conheço dela, tem tudo para guardiã. É curioso que no, futebol, o guardião da meta é o cara que evita que os outros atinjam a meta deles. Entretanto, evitar que o adversário atinja a meta, o objetivo, é, no caso, fundamental para que o nosso time atinja o nosso: o primeiro passo é não tomar gols. Quando Luxa, técnico ofensivo, declarou isso, entendi melhor o futebol. Uma vez, o Luiz Pinheiro, que não gosta de futebol, me acompanhou num jogo e ficou impressionado com a técnica dos jogadores que impedem que o outro time marque gols. Sei lá o que ‘não tomar gols’ tem a ver com a vida, mas alguma coisa tem, ou o futebol não seria o esporte mais visto no planeta, até mais que as Olimpíadas.

A defesa do time dos subterrâneos: pelo jeito, ‘amor que leva bala’ interessa tanto aos homens quanto às mulheres. Os comentários de Ataualpa, Sergio Murilo e Irajá Menezes à postagem anterior são muito sabidos: defesa que marca gols. Há pessoas, dos três sexos, que agem como se amor fosse coisa de mulher e de viado...

Hilde, obrigado pela companhia constante e pelos passes que você dá no meio campo: alívio quando casais se separam, né? Pode crer. Eu poderia até pensar que sou mais evoluído, pois fico triste com a separação de certos casais. Mas eu ficar triste não quer dizer nada.

Dia dos pais. A “minha vida” me preparou alguns presentes que só quer mostrar amanhã. Quem sabe, amanhã eu melhore.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Quem prega e vive o Amor verdadeiramente, leva bala



Ok, Hitler, Mussolini, Ceausescu e sua Elena tiveram mortes violentas. Dá para entender dada à ideologia que pregaram e à maneira como exerceram o poder.

Mesmo Lincoln, apesar do grande homem que foi, teria seu assassinato inteligível porque liderou uma guerra civil, fratricida.

O assassinato de John F. Kennedy não me comove especialmente: o cara não era nenhum santinho.

Mas como explicar que Jesus, Ghandhi e John Lennon tenham sido assassinados a não ser pelo lugar comum de que o amor, quando pregado e exercido de forma verdadeira, gera inveja e ódios insuportáveis?

Vocês devem ter outros exemplos desses personagens assassinados, tanto do ódio como do Amor. Vamos fazer uma lista? Chico Mendes e aquela freirinha americana entrariam na coluna do Amor? E Sócrates, que pregou o auto-conhecimento – auto-conhecimento é a base para o amor?

Fui assistir ao filme Bobby, sobre o assassinato de Robert Kennedy. Ele queria que os EUA fossem uma nação compassiva e generosa com seus pobres e etnias, e com o resto do mundo. E, também, que fossem um liderança ecológica.

Na década de 60.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Hildegard, a holandesa voadora, e eu, robô

Hildegard me ajudou a fazer as pazes com os cabinhos amarelos nojentinhos que saem do cérebro e coluna vertebral e percorrem todo o corpo transmitindo ordens e emoções. Num de seus comentários à postagem O corpo humano é uma coisa nojenta, ela escreveu: “estou olhando para o meu computador que tem ‘janelinha’ no gabinete. Lá dentro tem cabinhos de várias cores, plaquinhas, luzes azuis e verdes que piscam e um ventilador que roda constantemente. Acho o máximo, me lembra um cérebro, adoro olhar lá dentro!”

Eu havia dito que a ‘vida’ digital era menos asquerosa que a humana, tinha me esquecido do ponto de vista físico da vida digital.

“O corpo humano é uma máquina linda e útil, que, sim, um dia quebra de vez como todas as máquinas. Mas pense no prazer que o seu corpo pode te proporcionar! Antes da morte, o corpo e a alma estão indissociavelmente ligados (pfffff, custou traduzir ‘onlosmakelijk verbonden’, rs), mas eu não diria que a alma fica presa ao corpo. A alma é capaz de (ab)usar do corpo, mas não precisa dele. O corpo, por outro lado, não é nada sem a alma.”

Embora eu realmente não ache o interior do corpo humano uma máquina linda, o comentário de Hilde me lembrou os filmes Eu, robô e Blade runner. Em ambos, robôs e andróides começam a experimentar emoções e até a temer a mortalidade. Esses “progressos” das máquinas me sensibilizaram e me fizeram torcer por elas, apesar das engrenagens de plástico e da graxa, dos líquidos brancos, das molas nas pernas do robô. Identifiquei-me com seu desejo de sentir.

Coitados, se começassem a sentir realmente, o próximo passo seria desejar a felicidade.

Mas não dá, mesmo para um deprimido, deixar de ver a plenitude desses desejos. Sentir-me como robô ou andróide que querem viver na plenitude da vida humana foi estranhamente bom: me reconciliei um pouco com os cabinhos amarelos.

Meu próximo objetivo é passar a torcer por mim.


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Na semana que vem, não vou escrever. De férias, vou para um lugar onde não há internet: mais fundo na concha. Mas, por favor, escrevam se tiverem vontade. Quando voltar, os comentários me ajudarão, como têm me ajudado, como o da Hilde.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Budismo


A mulher mais importante da minha vida descobriu o budismo. Ela dá notícias de que está lhe fazendo muito bem.

Esses dias, encontrei uma ex-colega de trabalho que virou budista, quase monja. Ensina os ensinamentos. Ela é professora de um primo meu, que também vai acabar monge: ele até já ensina, vai dar uma aula, nos próximos dias, sobre a concha, um símbolo budista. Deve ser cheia de significados, dá até para imaginar.

Fiquei pensando que a única concha por que me interesso sou eu mesmo. Por isso, sou da psicanálise. Com exceção dos meus rebentos, não estou interessado no mundo, em quase mais ninguém. Vivo fechado na concha, estudando ela. De vez em quando, solto uma pérola como esta. Ainda bem que pérola também tem vários significados.

Contei para a quase-monja, ex-colega, que a mulher mais importante da minha vida vai à Monja Cohen. Ela disse que é de outra linha, japonesa, diferente da dela, tibetana, mas que é legal também, etc et tal. Não dá para imaginar um budista falando mal de outro, mas deu para sentir que há diferenças. Budista é ser humano.

Também contei que um amigo participou de um retiro espiritual com meditação e técnicas de respiração baseadas no budismo. Que a princípio, ele estava meio descrente, mas depois viu que funciona. “É incrível, você começa a respirar do jeito que eles falam e não imagina o barato que dá!” Eles, no caso, são um pessoal que aproveitou a meditação do budismo, mas retirou a parte dos ensinamentos e dos símbolos. Ficou mais ocidental.

Aquele meu primo já tem altarzinho em casa. A mulher mais importante disse que vai pôr um também. Disse que não fede e não junta formiga, que a comida não apodrece porque tiram antes.
Do pouco que sei do budismo, sempre me pareceu a religião mais próxima à psicanálise, esta a ferramenta mais anti-religião que já inventaram para lidar com angústia, desespero, aflição, ansiedade, the works. Outro dia, formulei que o budismo, no oriente, corresponde à psicanálise, no ocidente. Uma pérola.

A mulher-mais disse que não é religião, é filosofia. A quase-monja disse que é religião, sim, com cara de ‘vamos falar português claro’. Essa ex-colega é uma pérola rara. Ela foi presa nos tempos da ditadura. Alguém me disse que foi torturada e deportada. Não sei se é verdade. Sei, porque ela me contou, que os milicos cortaram seus longos cabelos loiros e ela, chorando, gritou para eles “vocês cortaram meu cabelo porque tinham inveja dele”. Acho que tinha uns quinze anos.

Também falou de seu trabalho na França, talvez deportada, como faxineira, dessas que vestem uniforme terceirizado. Disse que ninguém a cumprimentava, que ela se sentia invisível. Desde então, passei a cumprimentar todos os trabalhadores de uniforme. Se bobeio, chamo pelo nome e sorrio. Eles sorriem de volta. Isso, muito antes da tese famosa, acho que paulista, com garis, que demonstra que a ralé-pária de uniforme é invisível de fato. Mesmo que o uniforme seja berrante, laranja.

Quando ela virar monja, vai ficar careca, como sua irmã, que já é as duas coisas, monja e careca. Mas desta vez, não haverá ninguém com inveja envolvido.

Na hora de despedir, nos abraçamos longamente, carinhosamente. E a quase-monja disse “sempre te vejo com amor”. Frase de budista. Eu disse “também sempre te vejo com amor”. Frase que um psicanalisado pode dizer, sinceramente, para um budista.

sábado, 7 de julho de 2007

O corpo humano é uma coisa nojenta


Fui à exposição na Oca, o Corpo Humano. Como diz meu amigo gay, mexeu muito comigo. Achei nojento. O que achei mais nojento foi o sistema nervoso: descem uns cabinhos amarelos, uns finos, outros grossos, do cérebro até as pontas dos dedos do pé. O sistema circulatório, todo isolado do resto – como é que conseguiram isolar? –, é lindo, uma obra de arte do cara que inventou a exposição. Mas essa beleza não bate a nojeira do resto.

A cor amarela dos cabinhos é nojenta. E o cérebro, o órgão mais humano do corpo, tem aquele aspecto de miolo de boi que eu comia quando era criança, à milanesa. A cor amarela dos cabinhos nervosos e o formato do cérebro, todo enrugado para caber no crânio, foram os vice-campeões do nojo.

O campeão foi uma idéia. Estou muito acostumado ao mundo do computador, da TV, do cinema e da literatura, em que as realidades virtual e digital fazem tudo automático e romântico, bem acabado e eufêmico, sem cabinhos nojentos como os postes e fios de eletricidade que dão às nossas ruas um aspecto de século XIX, sujo, concreto e anacrônico: a realidade interna do corpo humano está ultrapassada. Ficou evidente que os andróides, mistura de corpo, robótica e chips, tomarão a terra do futuro.

Ver que as ordens vão do centro de comando, já nojento, até as extremidades, por meio dos cabinhos amarelos nojentinhos, me deu uma noção melhor – no sentido de pior, mais realista – do que acontece dentro das pessoas, daquela gostosa ali, a caminho do mar. E acabou com a idealização romântica que ainda me restava sobre sermos mais alma que corpo, mais arte que ciência, mais emoções e sentimentos que razão, mais sonhos que administração do dia-a-dia. Acho que evoluí como pessoa, no sentido de que a realidade é melhor do que sonhos. Mas esse insights realistas são sempre uma merda; e merda é coisa de corpo humano. Alguém já viu algum ex-viciado realmente feliz, sem recorrer a novas fantasias religiosas?

Me deprimiu mais que o habitual. Tô de cama. Não sei como consegui escrever isto aqui. Deve ser porque meu subterrâneo, os Comentários, anda muito povoado. Estou achando tão legal o que acontece nos subterrâneos, mais vivo e mais importante do que o que acontece aqui na página de rosto, que precisei dar continuidade, botar pilha. O último post bateu recorde de comentários, 20. Tudo bem que a conta contém as minhas respostas e os comentários excluídos por arrependidos: isso faz parte do inconsciente, as exclusões, as tentativas de esquecer, de não ver, e das respostas e tentativas do ego de contatar o id e o superego.

Os subterrâneos do meu blog e da minha mente são mais bonitos que o subcutâneo do meu corpo. Um dia, ele estará totalmente subterrado. Ainda que bem que meus trabalhos, inclusive o blog, têm alguma chance de sobreviver a ele.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Músicos são caipiras que tocam o sublime

Músicos são artesãos: eles lidam com palheta de bambu, breu para a crina do arco, calibre de corda, pedal de guitarra. Estão preocupados com habilidade manual. Só que, dada à contingência única de a música ser uma linguagem feita de sons, como a fala, mas de outros tipos de sons, que não significam nada verbalmente e, justamente por isso, falam diretamente aos nossos sentimentos, os músicos lidam com um material que toca a alma.

As mulheres amam os músicos. Mulheres jovens ou pobres de espírito, das que gritam histéricas para o Beatles (música sublime) e para o Harmonia do Samba (música de chiqueiro). E os músicos, amados pelas mulheres, se acham no máximo: não lêem e não fazem análise. No apogeu de seu desenvolvimento, se convertem ao budismo.

Claro há exceções, mas exceções existem com o propósito único de confirmar regras.

Cineastas comandam exércitos e todas as outras artes e acham que música só serve como trilhas sonoras. Consideram seu trabalho mais importante que a cura do câncer. Quando cineastas conversam, a gente se cala e escuta, embasbacadamente. E sai de fininho, para não ter que sorrir condescendentemente. Se estão num ambiente com música ao vivo, eles não interrompem sua conversa, muito mais importante que a música e a atmosfera de celebração que só a música pode criar.

Os artistas mais úteis são os escritores, que lidam com a linguagem mais prosaica, a fala e, assim, podem se comunicar com a maioria. E também porque lidam com os pensamentos e os sentimentos mais complexos. Um escritor pode mudar a vida de uma pessoa, muito mais do que qualquer outro artista. Todos os artistas tocam o sublime, nos oferecem objetos de contemplação, de beleza sublime. Mas quase todos são malucos, como Picasso. O escritor tem a chance de se melhorar, como ser humano, por força do próprio ofício. Ele é obrigado a pensar com mais linearidade, a lógica da linha, do papel ou do computador, a qual é abolida pela poesia. A linha concatenada, lógica, aproxima a prosa da ciência e da matemática, nossas melhores fontes para a verdade, a realidade e a exatidão. Menos fantasia. As artes são o reino da fantasia, do belo e do erro, onde o errado pode ficar bonito e humano. As religiões primam por ser o reino do erro, do inverificável e da fantasia; da paz de espírito, para quem despreza ou teme a verdade e a realidade.

Cineastas conseguem ser úteis porque a base de seu trabalho é a literatura. Música não é eficaz ao desenvolvimento pessoal, mas a Educação Musical, sim. Como o xadrez.

Poetas são menos importantes que os romancistas porque a musicalidade da poesia os atrapalha. A música os faz valorizar mais a forma. E eles desprezam a linha. Recomenda-se eliminar as rimas e aliterações da prosa: para ela se distanciar da poesia, e por tabela, da música. A rima e o ritmo da poesia desviam o pensamento racional do leitor.

Os homens mais importantes da história se comunicaram pela prosa: Shakespeare, Tolstói e Freud. E todos os cientistas. Mas nada é perfeito, a Bíblia e todos os outros textos religiosos também são... textos.

Guilherme de Almeida Prado, o cineasta para quem musico todos os filmes desde A Dama do Cine Shanghai, me deu Ela, de Rubem Fonseca. Hoje chorei muito lendo o conto Alice.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Comentários do subterrâneo



Esse lance de os Comentários ficarem meio escondidos no blog é cheio de significados. Parece o inconsciente, o freudiano mesmo. É lá que a parte mais interessante acontece, onde pessoas diferentes, como lados diversos de uma personalidade, se manifestam. Os blogs têm uma personalidade tônica, a do ‘hospedeiro’, como diz Rodrigo refugiado em seu umbigo, também conhecido como Rodrigo não quer abrigo, velho companheiro dos tempos da Online e meu atual consultor para bloguices. Mas as personalidades dominantes são os comentadores.

Os comentadores têm alguma afinidade com o blogueiro, caso contrário, não se dariam a escrever. E há gente que escreve longamente, como Helayne e Andréia (juntas Andrayne) do blog http//Buenopues.blogspot.com , Gloria sem acento dos Malavoglia Brother, e o próprio Rodrigo, que escreve para o email disponível aos que não gostam de conversas públicas. Há uma nova leitora que também prefere o anonimato, Dulce M. Um dia, converto essa gente para a luz que entra pela janela Comentários.

Na minha modestíssima opinião, que, aliás, por ser modestíssima, não deveria ser expressa publicamente, já que a publicação lhe confere uma profunda suspeita de falsidade, mas como dizia, na minha modestíssima, vejo uma relação entre o consciente e a página principal do blog, e entre o inconsciente e a janela Comentários, que fica ali, dando uma de João sem braço, no pezinho das postagens.

Tive uma analista, Luz, que gostava de usar a expressão “desenvolvida” para se referir a pessoas mais... desenvolvidas. Acho que ela queria dizer ‘amadurecida, não religiosa’. A minha concepção de desenvolvimento pessoal é ‘compreensão do conceito de inconsciente e contato com o próprio’. Como diz outro analista, Khir, psicanálise só serve para a gente se conhecer melhor e saber por que faz o que faz.

Mas, como dizia Euzinho Mantovani, Comentários está fervilhando de provocação, invocação e outros tipos de ação. Ali, têm voz, entre outros, Anna, Hilde, a holandesa voadora, Satie, Irajá do Blog Leituras, todos meios escondidos, mas a verdadeira vida interior do blog. Como diz Luiz Pinheiro, analista e meu parceiro de canções e interpretações, o inconsciente é muito inteligente.

E eu sou esperto, generoso, interesseiro ou puxa-saco. As interpretações variam.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Blog X Coluna = Coluna-Blog



Nos dias em que a Folha de S. Paulo decidia se eu escreveria artigos no 'papel' ou na OnLine, eu torcia pelo papel. Seria mais chique. Apesar da decepção, em breve já desfrutava as vantagens de escrever na rede, num site de grande visualização. Enumerei as vantagens no artigo Avisos aos que navegam para Diário, Depressão e Fama (http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/diariodepressaoefama/ult2855u11.shtml).

Já no blog, uma vez mencionei que não conseguia encontrar os primeiros artigos da já velha coluna Diário, Depressão e Fama. Leia, por favor, o que um leitor do blog escreveu, um tal de Nelson. Desconfio quem é esse Nelson, pois conheço um Nelson bamba em computador, mas não tenho certeza.

“Não dá pra encontrar a coluna original por vias ‘normais’, mas ela ainda está lá, junto com todas as outras: veja, esse endereço termina com ...u11.shml. É só ir trocando por 1, 2, 3, 4... .”

Esta é uma das coisas legais que o blog oferece em relação à coluna: a conversa aberta aos leitores e, ao mesmo tempo, anônima, pois a única pessoa revelada (se quiser se revelar) é o blogueiro. Estou aprendendo as vantagens de ser blogueiro em vez de colunista de site famoso. “Perde-se ali, ganha-se aqui, morre-se um dia”, como dizia o famoso... eu.

O que mais gosto é a conversa aberta com os leitores, via a seção Comentários. Alguns leitores antigos da coluna, que escreviam reservadamente para meu email pessoal, às vezes me dão o prazer de postar nos comentários. Recentemente, Hildegard, a holandesa voadora, mandou uns bacanas em inglês, inclusive para artigos anteriores, como Mentiras no casamento. Outro leitor da velha coluna, o escritor Wagner Mangueira, pede que divulgue seu novo livro aqui no blog. Com prazer: por favor, leiam seu release nos Comentários desta postagem; há elogios ao Wagman de Contardo Calligaris e Moacyr Scliar.

Falando em comentários, comento o título acima. Como sabemos, o ‘X’ serve como sinal de Versus e de Multiplicação. O ‘-’ serve como hífen e como sinal de Diminuição. Curioso que tanto a Multiplicação como o Versus impliquem na noção de resultado: Santos X Grêmio, 3 a 1. 3 X 1 = 3.

Assim, o título pode ser lido como:

1) blog versus coluna, resultado: coluna-blog (empate)
2) blog versus coluna, resultado: coluna menos blog (passa a idéia de derrota para ambos os gêneros)
3) blog vezes coluna, resultado: coluna menos blog (derrota para ambos)
4) blog vezes coluna, resultado: coluna-blog (vitória: a multiplicação que leva à ‘soma’, à integração dos dois gêneros na criação de um terceiro, com as vantagens de ambos, o melhor de dois mundos).

Eu gosto do item 4. Por que será?

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Deprê demais até para escrever


Ando muito deprimido até para escrever, uma das coisas que me deixam em paz. Esses dias descobri uma musculação inteligente aqui perto de casa que também me faz bem. E ver o Santos sair de seus sufocos.


Eu não saio do meu, baseado em problemas profissionais e familiares. Estou como na frase de Freud, apropriada por aquele escritor brasileiro e pelo prefeito paulistano: vastas emoções e pensamentos imperfeitos.


Emoção desordenada, pensamento sem progresso. Amor, então...


Augusto Comte disse: amor, ordem e progresso. Tô falto dos três. Mas... 'tá ruim, mas tá bom', estou como parachoque de caminhão, cheio de frases e rente ao asfalto.

domingo, 20 de maio de 2007

Hoje em dia o meu destino não vive em paz


Lamartine Babo escreveu "Hoje em dia o meu destino não vive em paz / O balão de papel fino já não sobe mais / E o balão da ilusão levou pedra e foi ao chão" como versos finais de sua famosissíma A hora da fogueira que cansaremos de ouvir de novo em junho, nas festas. O final da letra é deprê, mas ninguém se lembra muito bem dele. É regularmente cortado dos usuais pupurris de gravações juninas.

Todo mundo prefere o trecho que diz "Chegou a hora da fogueira, é noite de São João / O céu fica todo i1uminado / Fica o céu todo estrelado / Pintadinho de balão / Pensando na cabocla a noite inteira / Também fica uma fogueira dentro do meu coração / Quando eu era pequenino de pé no chão / Eu cortava papel fino pra fazer balão /E o balão ia subindo para o azul da imensidão".

Ou seja, preferimos paixão, ilusão, euforia e infantilidade a depressão. Só que a depressão é mais evoluída, já dizia Freud. Não sei se Lamartine era deprê ou se só seguia aquele desgraçado banzo brasileiro que fez gerações inteiras de artitas preferir música de fossa, Maísa, Antonio Maria, o meu mundo caiu e filmes nacionais com final infeliz. Ainda bem que isso passou.

Tô sabendo que me manifesto paradoxalmente: defendo ou não a depressão? Claro que não, mas quem negaria sua utilidade para a arte, para a auto-reflexão, a tomada de consciência da crueza de nossa passagem pelo planeta? Para a maturidade, a preparação do fim inevitável.

E como é legal este trecho da letra "O céu fica todo i1uminado / Fica o céu todo estrelado / Pintadinho de balão". Nada como inversões repentinas para nos acordar.

domingo, 13 de maio de 2007

Vingança na medida


Esses dias, no trânsito, imaginei uma pessoa para quem a vida corra bem, o casamento, os filhos, o trabalho, tudo vai bem, quer dizer, dentro da normalidade, né, pois a vida naturalmente já apresenta sofrimentos terríveis e tudo o mais, mesmo que o cara não seja um neurótico ou doido de pedra; enfim, o cara que pensei no trânsito alcançou o bem-estar possível, esse aí, e a vida lhe corre bem, ponto.

Então, seu carro leva uma fechada, e isso o assusta muito, ou quem sabe, seu carro chega a ser abalroado, amassado, ou ele mesmo se machuca um pouco, ou até num nível mais alto de tragédia, ele fica aleijado para sempre. Não importa o nível da desgraça que o atinge para o ponto que quero assinalar: esse cara abandona o curso de sua vida, que estava boa, e parte para a vingança. Não importa o nível da desgraça: se o outro fez uma manobra brusca, ele buzina, persegue o injuriante, abre o vidro, chama de filho-da-puta, de mal educado; se a injúria foi mais grave, e a lei e a justiça não lhe trazem satisfações, o cara ex-de-bem-com-a-vida começa a perseguir o outro, tomado por um sentimento de vingança, contrata detetive particular, espancador profissional, whatever.

Pronto, o injuriante, que pode ter entrado em sua vida por acaso, por fatalidade, por imperícia, por burrice, ou até por força do ofício (um assaltante que acaba por prejudicar mais do que simplesmente roubar, mais do que queria), então o injuriante começa a escrever a sua vida. Ele sai da reta, abandona o que lhe era mais caro e básico e muda de filme. Transforma-se num vingador. Já pensou se seu carro foi apenas fechado, mas como ele reagiu mal, saiu gritando, o outro ficou puto, puxou uma arma e acertou-lhe um tiro no pé... essas coisas acontecem, ou não? Até eu que não saio de casa já vi e protagonizei algumas esquisitas...

Vingança é um assunto interessante. Há montes de filmes sobre isso, é um tema comercial, famoso. Qualquer tipo de vingança, violenta, luva de pelica, amorosa, profissional, esportiva, é tema. Já escrevi algumas vezes sobre. Os filmes de vingança nos vingam da mágoa maior, de Deus, que nos pôs nessa aventura sem pé nem cabeça. Nos filmes, os bandidos fazem sentido: eles têm cara e endereço. E merecem.

Como disse na postagem anterior, a vingança é civilizadora, pois mostra ao injuriante que ele errou, que precisa emendar-se. Muito da lei e da justiça é fazer vingança, acalmar o injuriado. E educar o injuriante. Mas a vingança desmedida, fora na medida, pode causar problemas para o próprio vingador nos dois níveis, nos seus mundinhos interno e externo. No externo, a vingança exagerada pode decair para um tipo de vendeta, a vingança em cadeia, em ciclo vicioso. No interno, o vingador sai da sua própria vida, pára de vivê-la para ocupar-se do ódio que o destino lhe ofereceu. Também pra isso a justiça e a lei seriam importantes, pra ajudar o cara a voltar logo para sua vida.

Jesus tentou um atalho com o ‘daí a outra face’. Atalhos nem sempre são bons. Você pode se exercitar menos. Sempre vale a pena pensar profundamente no que nos causou mal. E aprender e fazer alguma coisa com isso. Vale a pena perguntar-se por que você saiu berrando com o cara que o fechou no transito: será que o cara merecia, precisava de uma lição? Mesmo? Ou será que a sua vida não andava uma merda? Ou ainda, no caso do personagem que me veio no transito (by the way, por que será que veio?), se a vida estivesse realmente boa, será que ele entraria nessa?

segunda-feira, 7 de maio de 2007

A vingança darwiniana (e santista)


Se a vingança não tivesse uma finalidade fundamental, não seria tão gostosa. Comer, dormir e amar também são muito gostosos. A natureza nos premia sempre que fazemos algo que nos preserva e nos melhora: nos dá prazer.

A sabedoria popular, que nem sempre é sabia, neste caso corrobora e sofistica: vingança é um prato que se come frio.

O budismo diz que aprendemos muito mais com nossos inimigos do que com nossos amigos. Koellreutter (para quem não conhece: vale a pena uma visita google) agradecia aos seus inimigos intelectuais, que o fizeram pensar profundamente em respostas a dar-lhes. Imagino seu prazer quando encontrava boas respostas: vingança.

Luxemburgo mandou um recado a Pedro e Tiuí: aproveitem o bicampeonato do Santos, vocês também o construíram. Tapa em luva de pelica ou a outra face: profundamente civilizatório. Pelo que sabemos, para unir e motivar o time, Luxa não incitou o ódio contra os dois, apenas sentimentos positivos a partir do que os jogadores construíram anteriormente na campanha. Alguns jogadores choraram. E, depois, comeram a bola. Jesus e Ghandi aprovariam. Mas imagino o quanto o ódio pelas deserções de Pedro e Tiuí inspirou Luxemburgo a bolar o tal vídeo motivador. A gente sabe que Luxemburgo pode ser tudo, sobretudo inteligente, mas nem um pouco bonzinho. Agora, imagino Luxemburgo esfregando as mãos e pensando na burrice dos dois e na “esperteza” e do empresário deles. Essa vingança deverá lhe dar tanto prazer quanto a de ganhar um campeonato paulista.

Outra corroboração ao tema – esta, mistura de vingança e amor – é o tesão gerado pela raiva de cônjuges que precisam de vingança, tesão que possibilita o adultério e que cessa uma vez saciada a raiva (não quando saciado o tesão, que nem existia de fato, pois que não dá início a um novo relacionamento, não era essa a sua função): o prazer acaba – recebe-se o prêmio – quando a raiva é saciada. Ou seja, raiva dá tesão, para se vingar. Tudo muito darwiniano. E o destinatário da vingança, se inteligente, se souber aproveitar a dor, aprenderá algo. Aprender também dá prazer.

Jesus quis nos poupar de sermos objetos de vingança quando ensinou (na verdade, reciclou, dizem eruditos) o amor ao próximo como a si mesmo. Por outro lado, promoveu uma forma sofisticada de vingança, talvez a mais terrível: dar a outra face. Ghandi corroborou. É uma pena que os resultados da técnica proposta por Jesus e Ghandi sejam tão demorados.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Morrer é difícil, mas há uma recompensa: não morrer nunca mais

Esperança é o pior mal. A verdade é um erro sem o qual não podemos viver. Os inimigos da verdade não são as mentiras, mas as convicções. Deus está morto. A recompensa final da morte é não morrer mais.

Dr. Breuer, o médico que inspirou a psicanálise, ouve essas frases de Nietzsche e não consegue dormir. Está na página 75 do romance When Nietzsche wept, Quando Niezsche chorou, que leio no original para treinar meu inglês (treino algumas habilidades, enquanto estou vivo, a principal, a de viver como nasci e como morrerei, sem falsas ilusões e esperanças vãs). Breuer ouve outras como Médicos não têm o direito de privar um homem de sua própria morte. Não consegue dormir porque sabe, no fundo do coração, que Nietzsche está certo.

E ainda, Torne-se o que você é. Pensei que esta fosse um achado freudiano, pois a psicanálise parece não pregar outra coisa, além disso, e de aprendermos a compreender (o mais rápido possível) porque fazemos o que fazemos, o motivo de nossas ações.

A grega Conhece-te a ti mesmo é uma parenta ancestral e próxima de Torne-se o que você é. Decifra-me ou te devoro e Ama o próximo como a ti mesmo são, na minha modesta, parentas de Não faça ao outro o que não deseja a você mesmo.

Pensei que não houvesse mais frases de sabedoria profunda que ainda não tivesse ouvido ou lido. Mas agora, num bestseller, Morrer é difícil, a recompensa final da morte é não morrer mais.

Pelo jeito, terei o que aprender até o último suspiro: é o que nos resta. Viver é perigoso. E para profissionais. Mas espero que médicos, esposa e filhos bem intencionados não cortem o meu barato.

domingo, 22 de abril de 2007

Mentiras no casamento

Cara leitora, a outra,

Resolvi publicar um trecho de nossa correspondência. Aproveito para perguntar por que você não a iniciou nos comentários do blog. Assim, outras pessoas poderiam participar da conversa, principalmente agora que aprendi a comentar os comentários do leitor dentro da “caixinha” destinada a isso. Bem... já que não foi lá, que seja aqui. Você começou assim:

Será que é possível ter 'conversas' como as nossas numa relação amorosa?? Eu sou muito mais honesta sobre certas coisas com amigos do que com meu marido..... Acho que é porque as conseqüências não são as mesmas. Com você, não tenho medo do que volta para mim. Claro, falo da relação amorosa 'oficial' de namoro ou casamento, com direito ao sexo (rsrs). Porque uma relação amorosa, nos temos, né não??

Sim, temos uma relação amorosa especial. Uma vez, fiz uma pergunta que você respondeu muito francamente, e a pergunta (o casamento mata a amizade?) e a resposta (sim, em todos os meus relacionamentos amorosos, sim) ficaram ecoando tristemente: apesar de saber que os motivos para me tornar o "amargo moralista da verdade" em que me torno cada dia mais não sejam tão nobres quanto a verdade em si, pois é a insegurança que dita lá do fundo a minha pregação, o ideal da verdade é muito bonito (estético), e o contato com ela me parece a melhor maneira de viver (ético). Portanto, ouvir de uma pessoa inteligente que amor, sexo e verdade (esta que só parece possível entre amigos) não podem coexistir, me entristece profundamente. Luiz Pinheiro gostar de citar (provavelmente do budismo) que o verdadeiro sábio não se incomoda com alguém que mente para ele. Ele lida com essa condição humana: todos mentimos. Você me parece mais madura do que eu, mais sábia. Você encara a relação amorosa"oficial" quase que como um mal necessário. Putz, mas é foda ter que fazer sexo e amor como um mal necessário. Ou melhor, não é foda, pois foda é coisa boa.

Será que sou mais sábia? Duvido. Acho que sou mais realista que você. A sua ideia de um relacionamento 'oficial' é tão romântica, idealista. Claro que sempre se pode tentar chegar ao que se quer, atingir o ideal, mas sem realismo, isso gira insatisfação (ou depressão!!). Também, não é que não tenha amizade e companheirismo com meu marido, temos sim. Mas é diferente da amizade com amigos. Há tantos papeis diferentes (mãe, mulher, esposa etc.), que dificilmente as coisas não se misturam.

Obrigado a reconhecer o realismo de suas palavras, meu ‘romantismo’ me leva a tentar um último argumento, em vez de encerrar com seu parágrafo, o que, confesso, fiquei muito tentado a fazer. A coleção das coisas que ‘não podem ser ditas para o cônjuge’, a pessoa com quem lutamos lado a lado (“viver é perigoso”, dizia Riobaldo), essa coleção, que começa pequena mas incha pouco a pouco, azeda as nossas vidas. Já escrevi sobre isso numa das antigas colunas na Folha Online: não faz sentido sermos mais sinceros com amigos do que com o cônjuge, que deveria ser o nosso melhor amigo, pelo menos, estar entre os melhores. Não tratar o parceiro mais importante com a dignidade devida azeda as nossas vidas. Quando mentimos para alguém tão íntimo, temos que mentir em grande medida, talvez em maior medida, para nós mesmo. Isso azeda as nossas vidas: nos deprime, tira a graça de vivermos em paz com o que somos de fato. Aquilo que somos passa a nos parecer esquisito já que precisa ser escondido da pessoa com quem adormecemos. Só nos resta acabrunhar, infantilizar, afetar uma felicidade inexistente... engordar. Por que os casados engordam? Engordar é parar de cuidar de si mesmo, arriscar-se à diabete e ao ataque de coração. Ataque ao coração! Mentir é um ataque ao coração. A mentira acumulada engorda, a gordura como uma metáfora concreta da insatisfação, da falta de paz interior. A aceitação da mentira como realismo, esse tipo de senso comum que nos aconselha a esconder 'certas coisas' (na verdade, certas coisas erradas que fazemos) me parece cada vez mais questionável. Mesmo sendo fã ardoroso da psicanálise, me posiciono contra a defesa que os analistas fazem da mentira conjugal quando a justificam como escudo do sagrado direito à privacidade e à individualidade. A palavra do analista não é qualquer uma: o analisando, inseguro por definição (se não, não estaria no divã), tende a tomá-la como mandamento. O primeiro questionamento a fazer é: se não podemos dizer a verdade àquele que deveria ser o nosso melhor amigo, não seria o caso de refletirmos profundamente sobre as causas que nos mantêm num casamento empurrado com a barriga? (geralmente uma barriga cultivadamente fofa para amortecer tantos impactos que nos feririam a alma se não fossem anteparados). E, se observarmos bem, a mentira é a grande mentira, pois não é possível haver enganação, empulhação, entre duas pessoas que vivem tão intimamente. Os sinais de que as coisas vão mal aparecem na própria maneira de o outro respirar.

domingo, 15 de abril de 2007

A dor não é desejável, mas é inevitável. E pode ser útil


Sempre me incomodou o fato de que descobertas e criações humanas fundamentais, individuais ou coletivas, tenham sido alcançadas em momentos de grande sofrimento.
As guerras proporcionaram grandes descobertas: o computador de Turing, o Volks refrigerado a ar, a margarina, remédios, e progresso de países envolvidos diretamente ou adjacentes nos conflitos. Quem nunca aproveitou um limão para uma limonada não acompanhará meu argumento. Mas quem nunca?

Cervantes escreveu o livro mais famoso de todos os tempos, o provavelmente imortal Dom Quixote, na cadeia. Também Oscar Wilde e o Marquês de Sade produziram obras famosas iluminados pelo sol quadrado. Django Reinhardt reinventou o seu jeito de tocar violão depois de perder o movimento de alguns dedos da mão esquerda. E há aquele grande pianista que perdeu a mão direita na primeira guerra mundial, se não me falta a faculdade que vive me falhando, mas inspirou Ravel (além de outros compositores que queriam dar ‘emprego’ ao amigo concertista) em seu belíssimo concerto para mão esquerda: sem esta informação, a de que só a mão esquerda trabalha, apenas pela audição, não se percebe a ausência da direita. Leite tirado de pedra.

A dor é útil. Para quem sofre e para quem faz dela o seu negócio. Os últimos precisam tomar cuidado: quem causa dor a outrem pode se dar muitíssimo mal. Toda vez que aparece o nome de Vladimir Herzog, imagino o ódio dos envolvidos (pois arrependimento é pra gente desenvolvida) na sua morte e na criação do mártir, assim como o constrangimento dos descendentes ou outros que, ligados a esses criminosos de maneira perene, conheçam sua culpa. Já as igrejas que usam a culpa dos fiéis para dominá-los vêem se dando bem per seculusseculorum.

Mas, como dizia, a dor é útil para o próprio sofredor. Acho que foi Carlos Drummond quem disse que a ‘gente só aprende quando bate na porta errada’, uma metáfora para a ‘gente só aprende no erro’. Eu mesmo reconheço, com todas as letras mal traçadas por uma mão crispada de dor, mesmo no computador, que aprendi grandes lições pelo sofrimento. Aprendi quiném cachorro: apanhando. Wilde, famoso aforista, disse ‘experiência é o nome que a gente dá aos próprios erros’. Claro que há outras maneiras de aprender, a principal delas pela admiração que outros nos causam, mas esse seria assunto para outro artigo (também de luxo, como este), relacionado à educação, à amizade e à leitura.

Depressão deve ser o único tipo de dor que não produz descobertas, invenções e auto-conhecimento; aprendizado, enfim. O deprimido não sofre tanto quanto o ansioso, o aflito, o desesperado mas, em compensação, se prostra. O cara deita de barriga pra cima e olha pro teto. E não vê mais nada além do teto. Pára de pensar. Freud não quis tomar remédios que pudessem entorpecer seu pensamento nem frente à dor do câncer. Quando a dor foi insuportável, ele preferiu morrer. Freud preferiu a morte que a impossibilidade de continuar pensando, aprendendo.

A dor é tão fecunda que muitas vezes caímos na tentação de procurá-la, de produzi-la artificialmente para aproveitar seus benefícios. Casos extremos disso são os crentes que se flagelam e os que se martirizam. Talvez os homens-bombas sejam convencidos a cometer seu ato extremo por manipuladores habilíssimos que mostram como o sofrimento, na vida, é eficaz. E “já que é assim na vida”, devem insinuar, sibilantes, “é o melhor caminho também para a morte, para o paraíso”. O personagem mais dramático e fascinante de O código da Vinci é o frade albino assassino fanático da Opus Dei, que se auto flagela, é manipulado por seu suposto salvador, e não duvida de ser fundamental à obra de Deus.

Sempre tive um olho voltado para os benefícios do sofrimento, mas apenas recentemente tenho conseguido equacionar melhor a questão, e chegar a uma ‘fórmula’ simples, mais ou menos assim: a dor não é desejável, mas é inevitável e pode ser útil.

Com a ajuda de dois psicanalistas, Luz e Khir, e de textos do ‘nunca assaz louvado’ consegui vislumbrar que os princípios do prazer e da realidade, que nos guiam das profundezas, podem nos ajudar, no nível da consciência, a usar a dor produtivamente, e a descartá-la quando infértil.

Digamos: um cara trabalha num lugar que o faz sofrer muito, onde um chefe o atormenta e colegas o maldizem: esse cara só deve ficar nessa situação se precisar (princípio de realidade), caso não tenha alternativa melhor pra ganhar seu pão. E, mesmo assim, deveria procurar um trabalho onde se sinta mais feliz e menos perseguido (princípio do prazer). Porém, enquanto não puder sair dessa situação, a melhor coisa a fazer é transformar seu sofrimento em aprendizado, experiência, auto-conhecimento.

Pode ocorrer, por exemplo, de ele colaborar inadvertidamente para o stress (quem escreve estresse só entra na minha casa de cassetete) ao responsabilizar unicamente a situação externa por todo o sofrimento, sem reconhecer a própria participação no processo. Se ele percebe isso, ou se aprende a ser mais diplomático com seu meio, ele se sente aliviado porque ganhou algo. É um alívio verdadeiro, aquele que advém do aprendizado sobre si mesmo, sobre o outro ou sobre a realidade externa.

Mas é aí que mora o perigo. Ele pode começar a achar que a dor, o emprego e o casamento ruins – ou outras cruzes da vida – sejam bons em si. Que o bem advém das situações dolorosas e não de seu exercício de aprendizado, de sua capacidade de pensar.

domingo, 1 de abril de 2007

Minha seleçao brasileira preferida de todos os tempos só com quem vi jogar pela TV

No século passado, o vinte, aprendemos muito com as mulheres: descobrimos e passamos a assumir e amar o nosso 'lado feminino'. Hoje, as coisas mudaram, como sempre mudam, e está na hora de as mulheres aprenderem algumas coisas com os homens. Por exemplo, a ter um senso moral menos aberto, mais estrito (não estreito), menos 'tergiversante' e... a amar o futebol.

Taffarel; Carlos Alberto, Aldair, Lúcio e Roberto Carlos; Dunga, Clodoaldo e Rivelino; Tostão, Romário e Pelé: homens comuns que se transformaram em heróis imortais e nos ajudaram, como ninguém, a superar a depressão cultural portuguesa e escrava.

Preciso fazer justiça à emoção gravada em minha memória por outros além dos meus onze primeiros. Felipão, meu técnico preferido, o mais emocionante e emocionado que já vi no banco brasileiro e, ainda assim, esperto, matreiro, racional 'professor'. O mais corajoso: não se intimida com os semi-deuses em que os homens comuns imaginam se tornar quando ficam (apenas) muito famosos.

Minha memória emocional não tem uma seleção reserva completa, outros onze. Mas reserva sentimentos de glória e alegria para outros como Branco, o herói contra a Holanda em 94; Gérson dos lançamentos artísticos; Jairzinho, que Pelé não se cansa de creditar como fundamental para o título de 70; Marcos, o santo guerreiro do gol no Japão coreano; Ronaldo, o maior personagem trágico de filme norte-americano do futebol brasileiro, talvez de toda a nossa história; Bebeto, o Sancho Pança de Romário; Ronaldinho Gaúcho, do meu desencanto em 2006, mas também do gol de falta espiritual contra a Inglaterra em 2002, quando ganhamos aquela copa; Rivaldo, a luz de 2002, que a depressão apagou.

"Eis a caridade que nos faz o escrete: dá ao roto, ao esfarrapado, uma sensação de onipotência", escreveu Nelson Rodrigues na crônica O escrete precisa de amor, republicada no livro A pátria de chuteiras (Cia das Letras, 1994, p. 110-111).

E essa não é a sua crônica constitucional, aquela que todo brasileiro precisa ler (mesmo livro, p. 79-82), em que mostra como Garrincha acabou, em 62, com o nosso complexo de vira-lata . Essa crônica, O escrete de loucos, deveria ser mais obrigatória em nossas escolas que o Hino Nacional.

A glória de nosso futebol nos salvou e continua a nos salvar do gene da depressão eterna, de alma lusitana e de banzo de navio negreiro. Todo nosso orgulho perante o mundo emerge dos pés de nossos heróis no esporte mais importante de todos; de certa maneira, a mais importante atividade humana, a mais valorizada, vista e comentada, adorada pela maioria no planeta.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Um comentário só, mas que comentário!

Ando meio sorumbático, borocochô, jururu: as três últimas postagens receberam... zero comentários.

Mas eis que alguém com esse nome, que nome!, Satíe, me escreve no email pessoal, depois de tentar postar infrutiferamente um comentário no blog. Satíe me lembra, músico de carteirinha universitária que sou, Eric Satie, o único compositor francês com senso de humor da história da música. Talvez o único francês com senso de humor.
Uma vez, alguém encontrou Eric Satie nos corredores de um teatro, onde estreava uma nova obra de Debussy. "Uê, você já saiu? O concerto mal começou..." E Satie respondeu "já ouvi a exposição (o tema). Agora, ele (Debussy) vai começar a desenvolver." Isso é tão legal: desenvolvimentos podem ser muito chatos. Eu, pessoalmente, não agüento Debussy, acho tudo longo e sério, poético, mas sem graça. Não que tudo precise de humor, mas graça é outra coisa. Ninguém do meio vai concordar com isso. Debussy é Deus para os músicos. É o melhor compositor para Ricardo Breim. Mas graça é bom. Brigitte Bardot.

Outros gênios em que eu mandaria uma tesoura braba são Beethoven e Brahms. Na verdade, não sei se Brahms é gênio. Se calhar, um dia faço um projeto para editar minhas versões definitivas de várias obras de Beethoven. Elas iam ficar bem mais curtinhas. Não tanto quanto as pérolas de Satie.
Em outra passagem, Debussy diz a Satie que ele é talentoso, tem boas idéias, mas precisa desenvolvê-las mais, pois as peças são sempre curtas. E também que precisava cuidar mais da forma. A forma é muito importante em música pura (sem letra, filme, dança, teatro), que não tem conteúdo (traduzível verbalmente). A resposta à "lição" de Debussy foi um conjunto de peças em forma... de pêra. Todas as peças apresentam uma parte grossa, densa (sonoramente falando, claro) e depois decrescem e terminam num... rabinho. Coda, a parte final das músicas que têm coda (item nem sempre usado nas Formas Musicais), em italiano, o idioma das partituras, quer dizer rabo. As peças são engraçadas. Pena que não tenha alguma aqui para postar. Só pérolas.

Agora, uma Satíe, um mulher chamada Satíe, me manda uma pérola. Um comentário desses já estaria bem bom para cada postagem:

"Oi Mestre, entrei com comentário no blog, mas continua aparecendo 0 (zero) comentário. Só cabem 300 caracteres, ficou assim: Ai que delícia de texto! Gosto de escritores que exigem de seu público agilidade mental, intelectual. A movimentação é tanta no tempo, nas observações intercaladas, que chego a sentir a produção de endorfina, dopamina, serotonina lá no cérebro. Resultado: estou ficando viciada neste blog.

Se coubesse mais, ainda emendaria: E ainda esse olhar masculino vem falando de questões de amor que, prá discutir com parceiro, é preciso agendar alguns dias antes, sinalizando com um delicado pedido de DR (discutir relação). Ai da minha depressão, que não tem sossego...

Bom agora tenho q aguardar o próximo capítulo sem ansiedade, tipo anestesia mental. Por falar em malabarismos mentais, vc já assistiu Quem somos nós? What the bleep do we know? Um filme q fala sobre descobertas recentes sobre o funcionamento/comportamento do cérebro. Também rende assunto... Super beijo, com admiração, Satíe."

O Satíe dela tem acento. Gostei assim.
Que será que está acontecendo com o blog? Será que mais gente quer comentar e não consegue? Por favor, não me deixem sozinho (disse, uma vez, o brasileiro mais sem graça da história do Brasil. O único brasileiro sem graça). Não saberia corrigir o problema, agora que Vivi me deixou para se dedicar à alta costura (www.costurasdavivi.blogspot.com): não tenho a libido da informática. Façam como Satíe, escrevam para o hermelinodepressaoefama@gmail, que substituiu o velho nederman@that.com.br.

Vou dar uma liçãozinha de música: quer um exemplo de forma musical? Este texto tem forma musical: vários elementos que se repetem, alguns que não se repetem, mas que são mais curtos que os que se repetem, os mais importantes. A forma está meio defeituosa, como as pêras de Satie. A introdução está muito longa, e o tema principal, a mensagem da Satíe, demora muito para entrar. Mas texto em prosa não é o melhor lugar para se fazer forma musical. Textos têm conteúdo. Eles precisam de menos forma que as músicas. Se começar a fazer muita forma, vira poesia, a melhor tentativa da fala de se aproximar da forma musical. Coitada da poesia. Nesses termos, é claro.

Será que a liçãozinha é a coda? E esta última pergunta?

domingo, 25 de março de 2007

Fair em My Fair Lady



"O amor é prepotente: sempre acreditamos poder transformar e corrigir o objeto amado", diz Contardo Calligaris no seu artigo My fair lady, sobre o musical famoso, em cartaz em São Paulo.

Atualmente posso copiar Contardo descaradamente, como já tive vontade de fazer na antiga coluna na Folha Online, pois em blogs, linkar e copiar parecem mais fair (correto) do que numa coluna. Mas a gente copia e linka o tempo todo, na vida e na arte. Com um pouco de elegância e criatividade, tudo bem. Como na seqüência Pigmalião, tragédia grega; Pigmalião, peça de Bernard Shaw; Pigmalião, versão cinematográfica da peça, de 1938; My fair lady, o musical; e My fair lady, o filme musical homônimo, ganhador de oito Oscars em 1962.

Contardo diz que a história de My fair lady "pega" fundo nele. Em mim também. E no meu aluno-amigo, Pedreg, o Grande, que me enviou o texto de Contardo, e que passa metade de sua aula semanal de uma hora e meia conversando comigo sobre relacionamentos amorosos. Nossas aulas são sessões de música, terapia e filosofia. Para ambos. No seu último aniversário, dei-lhe de presente o filme octa-oscarizado.
Falando em Oscar, Ennio Morricone finalmente ganhou o seu em 2007, pelo conjunto da obra, o que foi finalmente fair (justo) para um dos maiores compositores de trilhas sonoras vivos. Seu Oscar valoriza o prêmio que ganhei pela trilha sonora de A dama do Cine Shanghai concorrendo com a sua para Time of destiny. Sou bom pra caramba, pouca gente sabe, que se vai faiz?, e não me deprime nem um pouco contar vantagens de meus pequenos feitos, já que ninguém conta. A crítica ainda não foi fair (objetiva ou generosa) para comigo, ainda que por ignorância e devido à minha total falta de jeitinho para me promover. Sou prepontente, antipático, metido a besta, sempre que menciono minha pequenas glórias e vivo fazendo isso, insinuando as minhas conquistas. É muita vontade de ser famoso, o que é feio, mas acho mais feio (e deprimente) que minhas conquistas não promovam outras conquistas, nem que fossem admirações diminuídas por minha deselegância ao insinuá-las.

Mas voltando, e copiando longamente Contardo: "My fair lady é um clássico, que encena fantasias que habitam a mente de todos nós. A história é conhecida: o professor Higgins encontra uma pobre vendedora de flores, estigmatizada por suas maneiras, sua gramática e sua pronúncia. Ele aposta que a transformará em uma 'lady' com um curso intensivo de poucos meses. O mesmo professor, celibatário rabugento, aproveitará o curso para aprender algo sobre sentimentos (...) My fair lady é uma Cinderela em que acontece uma troca extraordinária entre um homem e uma mulher, cada um transformando o outro. Voltemos ao mito que inspirou Bernard Shaw. Pigmalião era um escultor que se apaixonou perdidamente pela figura feminina que ele mesmo tinha esculpido. Afrodite ouviu suas súplicas e deu vida à estátua. Não se sabe se Pigmalião ficou feliz com essa dádiva ou se, ao longo do tempo, ele lamentou a época em que sua amada não tinha vida própria. Detalhe inquietante: Pigmalião criou a estátua e se apaixonou por ela porque desgostava das mulheres reais, que lhe pareciam indecentes (animadas por desejos autônomos). A psicologia clínica usa o termo "pigmalionismo" para designar 1) a conduta erótica, um pouco estranha, de quem se apaixona por estátuas e as deseja; 2) num sentido mais amplo, a paixão pedagógica e erótica do sujeito que sonha com um objeto de amor e desejo que ele mesmo moldaria. A psicologia experimental, nas últimas décadas, confirmou e debateu o 'efeito Pigmalião': quando os professores esperam um grande progresso de seus alunos, os alunos progridem duas vezes mais rápido. O desempenho do aluno é proporcional às expectativas do professor. Aos 20 anos, leitor assíduo de Ronald Laing e devoto da antipsiquiatria italiana, eu devaneava que, um dia, encontraria uma jovem esquizofrênica e catatônica: pela mágica de meus cuidados, eu lhe devolveria a fala e a vida. No processo, eu me apaixonaria por ela, e ela por mim; viveríamos felizes para sempre. Portanto, confesso: já fui pigmalionista e já apostei na força curativa do 'efeito Pigmalião'. Mas a história de Pigmalião não se aplica apenas em casos de extremismo pedagógico e terapêutico. Qualquer um de nós desejou e deseja transformar o objeto amado. O amor é prepotente: idealizamos o outro e acreditamos firmemente que ele ou ela se emendarão. Somos convencidos de que o outro amado carrega todas as qualidades que nossa paixão lhe atribui: elas estão escondidas, atrás de uma 'deformação' que será corrigida pela virtude de nosso amor. Com isso, o amor desafia diferenças extremas, étnicas, culturais, religiosas e sociais. Um amigo carioca, aliás, me disse uma vez, brincando, que, se não tivéssemos uma fé desmedida no poder transformador do amor, se fôssemos 'sensatos', homem só casaria com homem, e mulher com mulher. Resta que, quando escolhemos nossa parceira ou nosso parceiro apesar de diferenças que nos incomodam, e confiantes nas mudanças que virão, as chances de durar são pequenas. E grandes são as chances de que a vida em comum vire, rapidamente, um inferno. Mas é uma constatação que não inspira ninguém: o amor pensa o contrário, e esse é o mito de My fair lady. A peça de Bernard Shaw termina 'mal' (Eliza não casa com o professor Higgins). My fair lady, aparentemente, termina bem. Mas considere a última cena e, honestamente, pergunte-se: como essa história vai acabar?"

Tenho pouco a acrescentar: o amigo carioca que disse que "se não tivéssemos uma fé desmedida no poder transformador do amor, se fôssemos 'sensatos', homem só casaria com homem, e mulher com mulher" acerta a trave. Mulher não casaria nunca com mulher: elas se acham 'tudo falsa', como mostro no post anterior. Tenho pouco a acrescentar, mas um 'pouco' bem bacana. Veja:

Fair significa imparcial, além de benevolent, blameless, candid, civil, clean, courteous, decent, disinterested, frank, generous, good, honest, honorable, just, lawful, legitimate, moderate, nonpartisan, objective, open, pious, praiseworthy, principled, proper, reasonable, respectable, righteous, scrupulous, sincere, straight, temperate, trustworthy, unbiased, uncolored, uncorrupted, unprejudiced, upright, virtuous. Ou seja, nada a ver com a 'beleza física' das versões brasileira, Minha Bela Dama, e portuguesa, Minha Linda Senhora, para o título do filme. Geralmente essas versões são risíveis, mais as portuguesas do que as brasileiras, claro. Mas nesse caso, acho legal. Pois quem se torna cândido, decente, franco, generoso, desinteressado (sou muito deselegante ao usar o blog para me promover e me vingar, como se verá a seguir), honesto, honrável, justo, moderado, objetivo, aberto, piedoso, apropriado, sincero, direto, incorruptível, torna-se amável e, como conseqüência, lindo para quem o ama. Ou outro clássico, A Bela e a Fera, não seria clássico.

Uma mulher -- aliás, ligada a musicais (músicos, já afirmei alhures, podem ser profundamente ignorantes, apesar da aura especial) -- que tentei transformar com minha prepotência amorosa não adquiriu nenhuma daquelas características, mas continuou linda e desejável fisicamente. Usou sua beleza para se vingar, me traindo apesar de me amar, e sua 'imexível' deslealdade para conquistar meu rancor eterno. Ela se vingou, entre outros erros meus, de minha tentativa de tranformá-la. No que fez muito bem, me fez muito bem, aprendi como cachorro, esse o nosso link com o mundo animal, aprender apanhando. Aprendi: a gente não muda ninguém. Por isso, My fair lady não poderia dar certo fora da ficcão e do mito e, também por isso, sei responder a última pergunta de Contardo: vai dar merda.
A fala é fundamental na transformação de uma pessoa, e esse é o aspecto mais profundo da peça Pigmalião, como sabe qualquer seguidor de Freud, o fundador da cura pela fala. Contardo, psicanalista, deixou passar essa. Como sou prepotente, aponto o lapso e, deselegantemente, me aponto elegante por não apenas copiá-lo. Mr Higgins, uma espécie de linguista, acreditava que se ensinasse a inculta Eliza a falar corretamente, a ensinaria a ser fair. Só deu certo na visão hollywoodiana.

Eu tentei, não funciona. Minha semi-analfabeta demorou dois anos para reconhecer que "vou estar enviando" é deselegante e feio pra burro. E, mesmo me fazendo o bem da traição, o fez de maneira profundamente unfair (desleal).

domingo, 11 de março de 2007

Sermão e atestados de normalidade grátis



Querida leitora,

Não usei seu nome por razões óbvias: você preferiu escrever para o velho nederman@that.com.br em vez de postar um comentário público. Mas, usei ‘querida’...

Há muitas mulheres com problemas com as mães. Freud afirma que a relação entre a mãe e seu filho homem é um caso único, entre todos os tipos de relação. Não sei o que isso acarretaria para as filhas mulheres. Por exemplo, os analistas comentam que as mulheres têm um senso ético menos estrito que os homens, ou seja, elas tergiversariam -- se permitiriam não fazer a coisa certa, usariam de evasivas, rodeios, subterfúgios -- mais do que eles. Especulo se isto estaria relacionado com aquilo. Eles dizem, de uma maneira até que bonitinha, que "o senso ético das mulheres é mais elástico que o dos homens", comparando pessoas éticas de ambos os gêneros, claro, não uma mulher ética com um homem corrutpo ou vice-versa.

Agora, que é muito comum mulher dizer que 'mulher não é amiga de mulher' ou que 'mulher é tudo falsa', ah isso é. Pudera: se todas as mulheres que tiverem irmãos, crescerem com a impressão de que não se pode confiar totalmente na mãe, que começo de relação entre mulheres! E elas dizem também que 'homem não presta e são todos iguais'. Uau, a relação especial da mãe com o filho homem explicaria tudo isso. Ou não? Especulo.

Outra diferença é que as mulheres amadurecem mais rapidamente que os homens. É algo que posso confirmar como professor tarimbado de uns trezentos alunos crianças a cada ano. As mulheres são alunas mais maduras, mais agradáveis. Entretanto, se posso confirmar o amadurecimento mais ágil das mulheres, também aqui só posso especular que ele estaria ligado à relação especial entre a mãe e o filho homem: os homens sairiam prejudicados porque são poupados pela mãe mais que as mulheres.

Mas o importante é que, independentemente de sermos homens ou mulheres, há "conseqüências" comuns para os dois gêneros, pelo simples fatos de sermos... filhos. O texto de Freud que leio no momento, O mal estar da civilização, trata entre outras coisas, do conflito inevitável entre o amor e a agressividade que nutrimos por nossos pais -- que nos amam, mas nos proíbem de fazer tudo o que nossos instintos exigem --, conflito que dá origem ao sentimento de culpa.

Se Ele (com maiúscula, pois para mim, Freud é o Messias que os judeus ainda esperam: não o reconheceram como tal, quando caminhou entre nós, e nem depois) estiver certo, a ambivalência de seus sentimentos, querida leitora, em relação a sua mãe não vai acabar nunca. Talvez a análise e a idade nos ajudem a sofrer menos, mas escapar totalmente dessa ambivalência é coisa que nem filhos de pais amorosos e maduros conseguem. É da própria natureza da psique humana.

E é melhor que seja assim.

Se não desenvolvêssemos o sentimento de culpa, poderia ser pior: nos tornarmos psicopatas, criminosos, ou neuróticos do tipo que culpa os outros por tudo, pois não introjetou o conflito (no formato) do sentimento se culpa. Faríamos parte do grupo dos corruptos e adúlteros, ou seja, pessoas cujos instintos (de se dar bem na vida, de ter prazer) são reprimíveis apenas de fora para dentro, pelo outro, pela 'autoridade': se minha mulher não souber, tudo bem eu sair com outras; se a polícia e a imprensa não souberem, tudo bem eu desviar grana pública. O cara, por si só, não consegue se reprimir, não pode antecipar a culpa. É uma pessoa pouco desenvolvida, não entende o que seus atos podem causar e, a pior conseqüência, não pode assumir a própria vida.

Você diz que sua mãe culpa os outros o tempo todo. Tenho dois comentários sobre isso, um é especulativo, mas do outro, tenho certeza: primeiro, ela também é a filha mulher de uma mulher; segundo, ela é menos desenvolvida que você, que sofisticou-se com o chamado ‘superego’, que se constrói com o sentimento de culpa. Em tribos primitivas, quando alguma coisa dá errado, ou seja, quando o sujeito passa por um infortúnio, ele espanca o fetiche (um tipo de 'santinho', de imagem sagrada). A culpa está do lado de fora, é do fetiche! Faz como as mulheres que deixam o Santo Antonio de cabeça para baixo enquanto não arranjam casamento, não é? A contrapartida disso é que a repressão (sã) também só vem de fora.

Claro que sentimento de culpa exagerado é fonte de sofrimento exagerado. Há até um apelido que os analistas usam para esse nível de auto-repressão: superego cruel. A boa auto-repressão, o sentimento de culpa num nível legal é saudável, é civilizado, é a base da felicidade possível.

Portanto, se entendi bem o que você e Freud escreveram, tenho uma boa notícia. Você é normal por se sentir assim: "às vezes sinto indiferença por tantas atitudes dela, que me parecem dispensáveis. Sinto raiva e desprezo também. E sinto amor e desejo de amá-la. Sinto vontade de dizer-lhe: pára pra olhar quanta dor você causa à tua volta! Tenta aproveitar os teus últimos anos de vida! Toma remédio pros nervos. Fica numa boa, como diz o teu neto. Mas sei que ela vai me mandar a merda!”

Se tiver algum amigo que precise de atestado de normalidade por se sentir como você, não se avexe de mandá-lo escrever para mim.

Beijo do Hermelino

sexta-feira, 2 de março de 2007

Ponto X


PontoX.wma

Esta expressão informática aí em cima, PontoX.wma, não parece um link, pois não está sublinhada, mas é: clique nela e você ouvirá este pobre diabo, que lhe remete esses mal traçados posts, a cantaire 'Ponto X', parceria com Luiz Pinheiro e arranjo onze para piano de Ricardo Breim. Onze é dez + 1, o máximo mais um, a nota máxima que dou a alguém ou a alguma coisa.

'Ponto X' é a faixa de abertura de 'Cássia secreta', o CD que Luiz Pinheiro e eu lançamos com as nossas canções que Cássia Eller cantava. Quando o disco já estava pronto, Eugênia, sua famosa e doce companheira, nos contou que Cássia gostava de cantar 'Ponto X' na intimidade do lar. Então resolvi que eu, finalmente, cantaria uma das faixas do CD.

Abaixo vai a letra e as cifras para acompanhamento, como o próprio Breim anotou a partir da harmonia original, levemente alterada por ele, que não é desses arranjadores estúpidos que crêem que a primeira coisa que se deve fazer, ao arranjar, é mudar a harmonia do compositor e enfiar uma levada da moda, muderna, americana.

Breim, o mestre, o profundo, o melhor músico entre todos os que conheci, ouve a canção. Ouve-a e entende o que ela pede. E, então, faz isto: obedece a canção.

Ponto X
(Hermelino e Luiz Pinheiro)

Am
---Que menina!
G4 ---------------- G ---------- Bb
---Por que me seduz com um jeito
------------E7 --Dm/F
---Tão Marilyn
E--------------------------------- Am -- Em F7M
---Que será que você quer de mim?
---------Am
---Esses olhos
G4 ----------- G ------ Bb
---Procuram o ópio em fitas
----------- E7 -- Dm/F
---De cinema
E - Dm7 ----------------- Bb7 Am
---Cair na real é um problema
Em7(b5)/A -------------- A
---Sonha com junkies em berlins
-------------- Bm7(b5)
---Dietriches, james deans
E7
---Em cores e efeitos
Am ------ F#m7(b5)
---Audiovisuais
--------- B
---Especiais
------ Dm6 E
---Demais
Em7(b5)/A --------------- A
---São tantos filmes em cartaz
-------------- Bm7(b5)
---Que te alucinam
E ------------ Dm6 -- E
---Gata, tudo isso é lindo
Am -------- F#m7(b5)
---Mas decidi
---------------- B
---Eu não vou mais
-------- Dm6 E
---Mentir
-------- F
---Pensar em mim
------- E4 E
---Preciso
-- F
---Eu já sei
---------------- B7/F
---Agora eu cheguei
------------- E -- Dm/E -- E
---Ao ponto X
-------- F
---Pra ser feliz
----- E4 -------- E
---E vou ser sim
-- F
---Sem você
------------------ B7/F
---Mesmo com você
--------- E -- Dm6 -- E
---Até o fim

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Bach-ião

bach-ião.mp3

domingo, 18 de fevereiro de 2007

O Figura


A artista plática Debora Muszkat me honrou com um retrato. Já compus obras dedicadas a pessoas ou inspiradas por elas, mas esta é a primeira vez que me fazem uma Oferenda (Visual) tão digna de orgulho.

Debora é criativa e generosa. Segundo a cancionista Vanessa Bumagny, ela conseguiu me deixar bonitinho (olhaí a generosidade). E um amigo gay disse que fiquei 'pintoso' (ou era 'tiposo'?).

Apesar de minha vaidade agradecer a melhora de aparência (se é que melhorou mesmo: pedi para ver o antes e o depois, os feios são os mais suscetíveis), o que mais me agrada no retrato é a criatividade. Ela se fixou no subtítulo do blog, mais precisamente na palavra 'figura', e retratou um cara que se diz deprimido, mas posta uma foto sorrindo, que se revela fragilizado, mas não se nega a mostrar o muque e expor vaidosamente suas conquistas. Quem é o membro de torcida uniformizado posando em frente a um bule com florzinhas?

Parece que ela vê (lê) um aspecto no blog que aprecia: o paradoxo, como o da famosa frase grega "eu sou mentiroso".

Eu sou deprimido?

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Santos Futebol Daspu e das Palavras Lindas



Um amigo meu, que se apaixonou por uma prostituta chamada Vivi, fez um haicai pra ela que até ficou bonitinho:



Como Vivi vive
Com Vivi vivi
Como vive Vivi

Vivi é um apelido legal, uma palavra bonita: voce troca o acento tônico de sílaba e o verbo muda de tempo e de pessoa.

Vocês viram o que a outra Vivi fez? Para quem não sabe, minha assistente, 21 aninhos, resolveu lançar este blog sem que ele e eu estivéssemos prontos. Ela o lançou assim mesmo, pois lhe deu na telha que eu estava demorando demais pra fazê-lo.

Uau, empurrãozinho de assistente: já não basta o dos amigos, do chefe, do analista, da mãe e até do filhinho. Agora a assistente, que deveria apenas seguir ordens, põe em curso algo que eu devo seguir. Bacana. O pior é que ela fez um monte de fãs e recebeu agradecimentos, o que não deixa de me ser lisonjeiro. Mesmo assim, como sou vingativo, aqui vai o endereço do blog dela: www.costurasdavivi.blogspot.com. Costura? Acho que é isso que ela mais gosta de fazer, ir costurando as coisas.

Mas comecei com o nome Vivi porque sou muito ligado aos sons das palavras, nos bonitos e nos feios. Acho ‘tomara’ e ‘oxalá’ tão lindas, e ainda têm o mesmo significado!, que resolvi juntá-las em ‘tomara-oxalá’. O mesmo com bumblebee e mamangaba, que significam o mesmo tipo de besouro, diferente de beetle, beatle, em português e em inglês. Se eu tivesse uma banda hoje em dia, ela se chamaria Bumblebee Mamangaba. Puta palavrona, bonita e feia ao mesmo tempo.

E há os palavrões. Adoro palavrão. Às vezes, há certas situações em que só um palavrão. Os meus preferidos são filho-da-puta e bosta. Acho que nada desqualifica mais um sujeito do que chamá-lo de bosta. Fulano é um bosta! ‘Merda’, de mesmo significado, não tem o mesmo efeito: ‘fulano é um merda’ é bostinha perto de ‘fulano é um bosta’. Já, filho-da-puta, dado ao Édipo ímplícito e à adoração à mãe em quase todas as culturas mais ou menos civilizadas, serve para quase qualquer situação.

Como professor, gostar de palavrões é um problema. Não permito palavrões em sala de aula nem que a vaca tussa e vá para o brejo. O motivo: desconcentra. A classe vira um boteco: risadas, risadinhas e comportamentos de cambada, típicos do lado negro da alma humana coletiva. A classe de aula é um templo, um ambiente consagrado ao estudo. Aula –- e principalmente aula de música –- precisa de uma concentração budista e um silêncio de cemitério. Senão, não afina. Afinar é concentrar a energia numa mesma nota, ir afinando-se, refinando-se a ela. O mesmo com o ritmo, embora ritmo e nota ocorram como percepções e cognições diferentes, mas não vou entrar nisso que Educação Musical não é o tema deste blog.

Eu não digo pro alunos que falar palavrão é feio, ou que é falta de educação (embora seja na maior parte das vezes) porque moralismos fútei-pífios não educam. Até lhes digo que ‘às vezes, só um palavrão’. E mostro que há lugares próprios para o palavrão, como a arte, a piada e certos tipos de textos, por exemplo, os escritos por um deprimido que acha viver duro pra caralho. Mas não cito os meus textos, como exemplo de lugar próprio para palavrão, pois eles viriam correndo para cá. Diminuiria a minha autoridade em sala de aula, mesmo que meu argumento para não usar palavrão ali, ‘não pode porque desconcentra’, seja bom e eles embarquem. Criança odeia moralismo.

Para a defesa física, palavrões são importantíssimos. Aquele amigo, o que se apaixonou por Vivi, aquela, hospedou-se uma vez num hotel barato, de passagem por Nova York, numa parte baixa, downtown, área meio barra pesada. Ele estava com pouca grana e seria apenas uma noite, antes de voltar pro Brasil. De madrugada, começam a bater fortemente na porta. Ele acorda assustadíssimo e, instintivamente, solta uma metralhadora de palavrões brasileiros misturados com uns americanos. Aos gritos e aos berros. A música do palavrão, em qualquer língua, é universal. Fosse quem fosse que esmurrasse a porta, parou imediatamente. Foi útil.

E há as palavras lindas... Adoro, entre tantas em várias línguas, uma inglesa: blooming. To bloom quer dizer florescer. Na primavera, the flowers bloom. Elas não boom, que é som de bomba ou de qualquer tipo de explosão, que mata gente ou faz nascer um monte de gente, ambos, efeitos nefastos. O ‘l’ ali no meio faz toda a diferença. As flores... bloom! Flores, flowers e blomm tem consoante seguida de ‘l’. Suaviza e explode ao mesmo tempo. Lembro do político de Chico Anísio (gênio? ou só eu que acho?) dizendo ‘pobre, eu quero que se exploda’, o ‘plo’ parecia uma explosão, mas era piada.

O Santos começou blooming contra o Blooming da Bolívia, e só vai parar de bloom quando campeão da Libertadores e do mundo. E será contra o Real Madrid, se Deus quiser. O Luxa Boca-Suja deseja isso como vingança. Vingança, na medida certa, é coisa boa, civilizadora. Jesus errou feio no 'dai a outra face'. Ainda bem que arrasou no 'ame o próximo como a ti mesmo'. Jesus usava umas palavras fortes. Contra os mercadores do templo, não creio que tenha ficado só em ‘mercenários, ladrões, hipócritas’, eufemismos de 'seus bostas'. Jesus era chegado numas prostitutas! Tinha razão: prostitutas são gente fina.

E o Santos será campeão do mundo contra o Real Madri do carcamano mais cara de carcamano que já vi, Fabio Capello, muito mais carcamano que minha nova identidade secreta, Hermelino Mantovani. O Real fugiu do Santos em 62 ou 63, mas não poderá fugir neste final de ano. Um dia conto a história de 62 ou 63 que é legal pra caramba (eufemismo de caralho, mas bem mais bonito que caralho, embora um caralho bonito seja útil etc et tal).

Luxa Boca-Suja só não arrasou no Real porque deu uma de novo rico, e parou de mandar palavrões da beira do campo. Quem é bom profeta proferindo palavrões, se entrar numas, perde o dom das santas sacadas. Um pensamento Daslu assolou o Luxa: "onde já se viu xingar o bonitinho do Beckham e o educadinho do Zidane da beira do campo?" Putz, logo o Zidane que perdeu uma copa do mundo ao perder a cabeça e liberar uma cabeçada, golpe típico de hooligans e delinqüentes europeus!! E o Beckham que usa a calcinha da Victoria (o que é muito simpático de sua parte, mais ainda se usasse a mini saia)! Aqui no Brasil, o Luxa nunca poupou craque nenhum: claro, oficorçe, pudera, vieram da mesma favela. Lá, ele deveria ter gritado "Beckham, seu filho da puta, se você não acertar essa porra dessa bola, vou fazer você comer uma dúzia de calcinhas de camelô da Praça da Sé". O erro foi este: podia ter xingado os cara de filho-da-puta-do-caralho que eles nem iam entender mesmo, mas iam jogar como o Santos está jogando. E mandar tirar o microfone ambiente de perto. Quando o cara não é o que é, é foda, ou melhor, não é foda, porque foda é coisa boa.

Uau, viajei legal: já tô no Japão, em dezembro de 2007. Janeiro mal terminou... Deixa eu voltar pra deprê, que mania é muito mais perigoso. Que o digam os apaixonados. E as prostitutas. Prostituta que se apaixona por cliente tá fodida. E vice-versa.

Associação livre é um barato, Freud foi grande até nisso. Acabei de ter uma: vocês já repararam como a Bruna Surfistinha, que é órfã e adotada, é a cara da Tanchesi, dona da Daslu. Será que a Eliana Tanchesi é a verdadeira mãe da Surfistinha? Será que, inconscientemente, a Tanchesi quis negar sua vergôntea quando tentou impedir a marca Daspu?

Putz (eufemismo de puta, como ‘nossa’, e suas versões invocadas ‘nessa’ e 'nessss', são eufemismos invertidos de Nossa Senhora. Você conhece quem diz ‘nessa’ em lugar de ‘nossa’? Fica bom, pois dá uma sujada no ‘nossa’. Sujar é a base dos eufemismos invertidos, que devem ser figura de linguagem com nome e tudo o mais, quem souber que me ilustre. ‘Nessa’ e 'nesss' ficam ainda mais longe de Nossa Senhora do que ‘nossa’), putz, hoje eu tô qualquer nota. Mas mantendo o ritmo.

É culpa da Vivi, a minha, se não fosse por ela, eu não teria que escrever nada hoje, que estou deprê pra caramba. Agora me obrigo a seguir a tradição da coluna na Folha Online, pois a Vivi quer manter isso de mandar um texto na segunda-feira pros deprimidos começarem bem a semana. A gente não estava pronto, o blog, eu e ela própria: por exemplo, faltava um endereço para quem não quisesse postar comentários públicos, além de um tal de RSS que serve para o cadastro de pessoas que queiram ser informadas quando houver novas postagens. Já anotei o (velho) email pessoal no ítem Comentários pessoais, na coluna da esquerda, mais embaixo, mas até agora nem ela nem eu aprendemos a programar o RSS.

Mesmo assim deve ser melhor do que pior ter uma assistente meio fanzoca e metida a besta.

Viva Vivi
A outra também
Que viva bem