segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Agora eu tenho tempo


Segunda-feira, dia mais ou menos tradicional de postar. Tenho apenas vontade de dizer que vivo um paradoxo mais ou menos feliz: quanto mais envelheço, sinto que há mais tempo. “Agora, eu tenho tempo”. Essa frase me ocorreu esses dias, assim, do nada, de dentro, sem que fizesse força para pensá-la.

Acho que fiquei menos ansioso ao perceber que corria atrás de coisas que só me deixavam ansioso: casamento e fama. A cultura, a sociedade, a educação, a religião, o cinema, a TV, e mesmo a psicanálise nos colocam parâmetros de sucesso – estar casado, ser rico, famoso, bonito etc. – que podem não corresponder àquilo que um determinado indivíduo precisa de fato. De todos os equívocos, o casamento é o pior. Nascemos e morremos sós, nossos sentimentos e emoções mais poderosos são íntimos, incomunicáveis ao pé da letra. Como podemos nos orientar para uma felicidade apenas se compartilhada? Entretanto, ‘estar casado’ é apreciado até para candidatos à Sociedade Psicanalítica. É quase como escolher empregada doméstica evangélica: essa não vai roubar.

Acredito que feios, solitários, remediados, anônimos, deficientes físicos, doentes etc. possam ser felizes. Epicuro já mostrou o caminho: procurar o bem-estar, o prazer. Não de forma imediata, priápica, drogada, mas o norte é o prazer. Cada um pode descobrir onde encontrar sua paz de espírito. E a felicidade é por aí: paz interna, ansiedade baixa. E não precisa de final feliz com multidão aplaudindo, como é comum em filmes americanos, em que a felicidade precisa de testemunha. Pelo contrário, muito pelo contrário, quanto mais íntimo, melhor. Apesar de tão antigas, essas noções não estão bem colocadas na cultura.

O nunca assaz louvado também já tocou a mesma melodia: a cultura, até a sagrada Educação, nos leva a equívocos perigosos. Numa nota de rodapé de seu Mal-estar da civilização, diz que a educação não orienta os jovens a lidar com a sexualidade e a agressividade fundamentais que encontrarão em si mesmos e na realidade. “Ao encaminhar os jovens para vida com essa falsa orientação psicológica, a educação se comporta como se se devesse equipar pessoas que partem para uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos”. Segundo Freud, a educação deveria dizer: “é assim que os homens deveriam ser para serem felizes e tornarem os outros felizes, mas [vocês] terão de levar em conta que eles não são assim”. Entretanto, “pelo contrário, os jovens são levados a acreditar que todos os outros cumprem essas exigências éticas – isto é, que todos os outros são virtuosos”.

...

Hilde, em comunicação paralela, ou seja, fora dos comentários do blog, me alertou que quem entrar no blog hoje não vai entender nada. Por culpa minha: tenho trazido o subterrâneo à tona, tirado dos Comentários. Ela acha que preciso manter a página de rosto com artigos. Que técnico seria eu se não ouvisse meio-campistas como Zito, Didi, Dunga, Gérson, Tostão e Pelé? Um comentário como esse, da analogia vida-futebol que rola nos Comentários atualmente, segundo ela, não seria entendido.

Mas perdi o fôlego para artigos longos. Pelo menos, por enquanto. Ou graças a Deus.

15 comentários:

Hildegard disse...

O que você escreveu na bandeira?

Não se esqueçam jamais,
amor (o resto não da para ler...)

Hermelino Mantovani disse...

O diabo está dizendo "não se esqueçam jamais: amor, ordem e progresso".

Muito bandeira.

Hildegard disse...

Muitas palavras, pouco bandeira..rs

Unknown disse...

Eu vou fazer um comentário mais comprido como exceção, mas nem pretendo depois "comentar o comentário". É que essa praia de dar palestra não me agrada, prefiro conversar.

Seguinte: essa coisa do "quanto mais envelheço, sinto que há mais tempo" me parece perfeitamente lógica, nada paradoxal. Você mesmo expôs na seqüência os porquês.

Só que correr atrás daquilo que deixa nos ansiosos e quetais é inevitável. "Para tudo há uma época", e quando se é novo, é tempo disso e de mais nada. Veja como o próprio Epicuro disse isso em seu pensamento: buscar o prazer, não necessariamente alcançá-lo (pois é, não de forma imediata). Juventude serve para buscar. Nestes nossos tempos e lugares, não tem jeito: só poderia mesmo causar ansiedade, exigir parâmetros e levar a equívocos (que levam a uma educação maior), por sermos afoitos e querermos justamente buscar alguma segurança - prazer - para depois.

Fica difícil conseguir prazer galgando um emprego vagabundo para ganhar dinheiro e ainda ter de ser feliz sozinho nessa situação. É preciso dividir a miséria. É preciso manter ambição, que causa ansiedades indescritíveis. Felicidade e paz interna, sinto muito, só depois de encarar estrada... Ou então, sei lá, dar a sorte de ser uma ótima pessoa que nasceu rica. Como não fui eu a sair assim, não sei direito dizer quais as alternativas. Só fica muito difícil acreditar em felicidade mesmo entre uns 25 e uns 45 sem ansiedade e muita cabeça no muro.

Ruim mesmo, nessa dança toda, é essa mesma "cultura, sociedade, educação", etc, não darem chance a quem se sente mal. Chega a ser compreensível que exija as bobagens de "rico, casado, famoso" e tudo mais, mas é indesculpável a cultura do "Proibido depressão!". Enquanto se busca, se frustra, e sociedade e afins deveriam abraçar um tanto disso também, até como incentivo e uma forma de dizer "Isso é normal, e você é normal por se sentir assim".

Mas o deprimido é um alienígena, é ou não é?

Hermelino Mantovani disse...

Rodrigo,

Acho que você está coberto de razão: não há como escapar da ansiedade (leia-se infelicidade) durante a busca e a juventude. É inerente.

Mas quando apontamos o dedo para a sociedade e afins (como vc chama a cultura, a educação, a religião etc.), a acusação parece ser esta: pessoas que têm o papel de autoridade (as que deveriam ser AUTORES da própria vida e, portanto, bom exemplo para os que estão "abaixo"), quando se deparam com a ansiedade ou depressão dos que estão "abaixo", se tornam eles próprios ansiosos ou deprimidos e, em lugar de acolher e acalmar, apontam o dedo com exigências éticas e ameaças.

Isso é comum na relação professor-aluno, que é o meu ganha-pão. Classes de professores mal resolvidos são muito mais ansiosas.

E crianças que não encontram tranquilidade na relação com pais que ficam nervosos diante das inseguranças dos filhos não introjetam exemplo de como lidar com a própria angústia.

E por aí vai: psicanlista-paciente, governante-povo, chefe-subalterno. Religião, então, nem se fala: como pessoas tão mal preparadas podem ser guias espirituais? Pastores de rebanhos?

Estamos praticamente sozinhos. Ainda bem que tenho alguns amigos, fora e dentro do blog, e um bom analista (continente, que oferece bom exemplo, além da técnica psicanalista que, por si, é pouco).

A conversa com essas pessoas -- e te incluo entre elas, seu comentário é uma prova -- me ajuda muito, como tenho mencionado e agradecido.

Pessoal, o Rodrigo e eu temos uma piada interna, relacionada à minha mania de dar apelidos carinhosos a quem me escreve. Daí Rodrigo-o-mesmo, ou
Rodrigo-(insira apelido do Hermelino)-igo, ou Rodrigo-não-quer-abrigo, entre vários outros que já tentei com ele.

Unknown disse...

Nem tinha intenção de re-comentar, mas... por que não, né? É pouco.

Acho que você acabou de me explicar melhor do que nunca esse mecanismo vicioso em "espelho". É uma grande coisa a se pensar. Pelo menos parece bem verdadeiro. Só ficou estranho o adversativo lá em cima, no segundo parágrafo, pq houve praticamente a confirmação do que eu dizia antes, não?

"Pais que ficam nervosos diante das inseguranças dos filhos não introjetam exemplo de como lidar com a própria angústia" - peraí, acho que a campainha tocou aqui, vou lá atender.

"Religião, então, nem se fala: como pessoas tão mal preparadas podem ser guias espirituais? Pastores de rebanhos?" - amém. A-fuckin-men!

A parte dos apelidos foi ótima. E "tentou" não: conseguiu, já foi devidamente aceito há tempos. Eu só não sei ainda o meu apelido definitivo. Seria tão bacana ser algo como "holandês voador", "revisor amoroso" ou esses nomes malucos que vc arruma.

Hermelino Mantovani disse...

Rodrigo-multi-apelido,

Realmente, o 'mas' no início do segundo parágrafo (de meu comentário anterior) está mal colocado.

Adorei o "peraí, acho que a campainha tocou aqui, vou lá atender".

Tchau, Rodrigo-adoro-quando-você-conversa-comigo.

Andreia disse...

"os jovens são levados a acreditar que todos os outros cumprem essas exigências éticas – isto é, que todos os outros são virtuosos"

Quando criança e ainda durante a adolescencia, tinha a mania de idealizar a vida adulta: adultos sempre têm razão, sempre sabem o que dizem. Sabem muito e por isso mesmo falam muito, e com tanta propriedade. Para eles, não há perguntas sem respostas. Se existem, será porque estudaram pouco e só é questão de procurar nos livros certos; ou porque os cientistas ainda não descobriram, mas chegarão lá, com certeza.

Agora que sou adulta (pelos menos segundo o IBGE) fico matutando aqui com meus botões: em que realmente estariam pensando meus pais (e os adultos de modo geral) quando então eu acreditava que as reticências ao final de cada frase significavam a minha incapacidade de entender assuntos tão elevados?

Hermelino Mantovani disse...

Andreia,

Sei que não é a isso que vc se refere, mas me lembrou o Paulo Francis dizendo que a infancia é a época mais triste da vida.

Temos que encher as crianças de amor, não de encheção.

Hildegard disse...

Mas o que é amor e o que é encheção?
Colocando regras e limites para crianças é encheção? Ou é amor porque elas precisam da segurança que regras e limites dão?
É encheção ou amor brigar com uma criança porque não quer ir pra cama?

Leituras disse...

Nelson Rodrigues, solicitado a mandar uma mensagem aos jovens: - Envelheçam! Envelheçam!

Leituras disse...

Erasmo Carlos:

Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada
Naturalmente minha mãe dizia:
Ele é uma criança, não entende nada
Por dentro eu ria satisfeito e mudo
Eu era um homem, entendia tudo

Hoje só com meus problemas
Rezo muito mas eu não me iludo
Sempre me dizem quando fico sério:
Ele é um homem e entende tudo
Por dentro com a alma atarantada
Sou uma criança, não entendo nada

Andreia disse...

Não creio que a infância seja a época mais triste da vida, o que não significa que a idealize de alguma forma; pelo contrário, não demonizo nem idealizo nenhuma das etapas, cada uma delas tem suas alegrias e penas. Sei que ainda tenho muitas etapas por cumprir, mas se mudar de idéia podexá que volto pra contar. :-)

Hermelino Mantovani disse...

Andreia,

O Irajá Leituras respondeu legal o seu comentário sobre crianças e adultos, não achou? Com a letra da música...

Gloria disse...

Hermê querido, nascemos e morremos sós, mas não vivemos sós.
Este é o pulo do gato!
Gloria