domingo, 20 de maio de 2007

Hoje em dia o meu destino não vive em paz


Lamartine Babo escreveu "Hoje em dia o meu destino não vive em paz / O balão de papel fino já não sobe mais / E o balão da ilusão levou pedra e foi ao chão" como versos finais de sua famosissíma A hora da fogueira que cansaremos de ouvir de novo em junho, nas festas. O final da letra é deprê, mas ninguém se lembra muito bem dele. É regularmente cortado dos usuais pupurris de gravações juninas.

Todo mundo prefere o trecho que diz "Chegou a hora da fogueira, é noite de São João / O céu fica todo i1uminado / Fica o céu todo estrelado / Pintadinho de balão / Pensando na cabocla a noite inteira / Também fica uma fogueira dentro do meu coração / Quando eu era pequenino de pé no chão / Eu cortava papel fino pra fazer balão /E o balão ia subindo para o azul da imensidão".

Ou seja, preferimos paixão, ilusão, euforia e infantilidade a depressão. Só que a depressão é mais evoluída, já dizia Freud. Não sei se Lamartine era deprê ou se só seguia aquele desgraçado banzo brasileiro que fez gerações inteiras de artitas preferir música de fossa, Maísa, Antonio Maria, o meu mundo caiu e filmes nacionais com final infeliz. Ainda bem que isso passou.

Tô sabendo que me manifesto paradoxalmente: defendo ou não a depressão? Claro que não, mas quem negaria sua utilidade para a arte, para a auto-reflexão, a tomada de consciência da crueza de nossa passagem pelo planeta? Para a maturidade, a preparação do fim inevitável.

E como é legal este trecho da letra "O céu fica todo i1uminado / Fica o céu todo estrelado / Pintadinho de balão". Nada como inversões repentinas para nos acordar.

domingo, 13 de maio de 2007

Vingança na medida


Esses dias, no trânsito, imaginei uma pessoa para quem a vida corra bem, o casamento, os filhos, o trabalho, tudo vai bem, quer dizer, dentro da normalidade, né, pois a vida naturalmente já apresenta sofrimentos terríveis e tudo o mais, mesmo que o cara não seja um neurótico ou doido de pedra; enfim, o cara que pensei no trânsito alcançou o bem-estar possível, esse aí, e a vida lhe corre bem, ponto.

Então, seu carro leva uma fechada, e isso o assusta muito, ou quem sabe, seu carro chega a ser abalroado, amassado, ou ele mesmo se machuca um pouco, ou até num nível mais alto de tragédia, ele fica aleijado para sempre. Não importa o nível da desgraça que o atinge para o ponto que quero assinalar: esse cara abandona o curso de sua vida, que estava boa, e parte para a vingança. Não importa o nível da desgraça: se o outro fez uma manobra brusca, ele buzina, persegue o injuriante, abre o vidro, chama de filho-da-puta, de mal educado; se a injúria foi mais grave, e a lei e a justiça não lhe trazem satisfações, o cara ex-de-bem-com-a-vida começa a perseguir o outro, tomado por um sentimento de vingança, contrata detetive particular, espancador profissional, whatever.

Pronto, o injuriante, que pode ter entrado em sua vida por acaso, por fatalidade, por imperícia, por burrice, ou até por força do ofício (um assaltante que acaba por prejudicar mais do que simplesmente roubar, mais do que queria), então o injuriante começa a escrever a sua vida. Ele sai da reta, abandona o que lhe era mais caro e básico e muda de filme. Transforma-se num vingador. Já pensou se seu carro foi apenas fechado, mas como ele reagiu mal, saiu gritando, o outro ficou puto, puxou uma arma e acertou-lhe um tiro no pé... essas coisas acontecem, ou não? Até eu que não saio de casa já vi e protagonizei algumas esquisitas...

Vingança é um assunto interessante. Há montes de filmes sobre isso, é um tema comercial, famoso. Qualquer tipo de vingança, violenta, luva de pelica, amorosa, profissional, esportiva, é tema. Já escrevi algumas vezes sobre. Os filmes de vingança nos vingam da mágoa maior, de Deus, que nos pôs nessa aventura sem pé nem cabeça. Nos filmes, os bandidos fazem sentido: eles têm cara e endereço. E merecem.

Como disse na postagem anterior, a vingança é civilizadora, pois mostra ao injuriante que ele errou, que precisa emendar-se. Muito da lei e da justiça é fazer vingança, acalmar o injuriado. E educar o injuriante. Mas a vingança desmedida, fora na medida, pode causar problemas para o próprio vingador nos dois níveis, nos seus mundinhos interno e externo. No externo, a vingança exagerada pode decair para um tipo de vendeta, a vingança em cadeia, em ciclo vicioso. No interno, o vingador sai da sua própria vida, pára de vivê-la para ocupar-se do ódio que o destino lhe ofereceu. Também pra isso a justiça e a lei seriam importantes, pra ajudar o cara a voltar logo para sua vida.

Jesus tentou um atalho com o ‘daí a outra face’. Atalhos nem sempre são bons. Você pode se exercitar menos. Sempre vale a pena pensar profundamente no que nos causou mal. E aprender e fazer alguma coisa com isso. Vale a pena perguntar-se por que você saiu berrando com o cara que o fechou no transito: será que o cara merecia, precisava de uma lição? Mesmo? Ou será que a sua vida não andava uma merda? Ou ainda, no caso do personagem que me veio no transito (by the way, por que será que veio?), se a vida estivesse realmente boa, será que ele entraria nessa?

segunda-feira, 7 de maio de 2007

A vingança darwiniana (e santista)


Se a vingança não tivesse uma finalidade fundamental, não seria tão gostosa. Comer, dormir e amar também são muito gostosos. A natureza nos premia sempre que fazemos algo que nos preserva e nos melhora: nos dá prazer.

A sabedoria popular, que nem sempre é sabia, neste caso corrobora e sofistica: vingança é um prato que se come frio.

O budismo diz que aprendemos muito mais com nossos inimigos do que com nossos amigos. Koellreutter (para quem não conhece: vale a pena uma visita google) agradecia aos seus inimigos intelectuais, que o fizeram pensar profundamente em respostas a dar-lhes. Imagino seu prazer quando encontrava boas respostas: vingança.

Luxemburgo mandou um recado a Pedro e Tiuí: aproveitem o bicampeonato do Santos, vocês também o construíram. Tapa em luva de pelica ou a outra face: profundamente civilizatório. Pelo que sabemos, para unir e motivar o time, Luxa não incitou o ódio contra os dois, apenas sentimentos positivos a partir do que os jogadores construíram anteriormente na campanha. Alguns jogadores choraram. E, depois, comeram a bola. Jesus e Ghandi aprovariam. Mas imagino o quanto o ódio pelas deserções de Pedro e Tiuí inspirou Luxemburgo a bolar o tal vídeo motivador. A gente sabe que Luxemburgo pode ser tudo, sobretudo inteligente, mas nem um pouco bonzinho. Agora, imagino Luxemburgo esfregando as mãos e pensando na burrice dos dois e na “esperteza” e do empresário deles. Essa vingança deverá lhe dar tanto prazer quanto a de ganhar um campeonato paulista.

Outra corroboração ao tema – esta, mistura de vingança e amor – é o tesão gerado pela raiva de cônjuges que precisam de vingança, tesão que possibilita o adultério e que cessa uma vez saciada a raiva (não quando saciado o tesão, que nem existia de fato, pois que não dá início a um novo relacionamento, não era essa a sua função): o prazer acaba – recebe-se o prêmio – quando a raiva é saciada. Ou seja, raiva dá tesão, para se vingar. Tudo muito darwiniano. E o destinatário da vingança, se inteligente, se souber aproveitar a dor, aprenderá algo. Aprender também dá prazer.

Jesus quis nos poupar de sermos objetos de vingança quando ensinou (na verdade, reciclou, dizem eruditos) o amor ao próximo como a si mesmo. Por outro lado, promoveu uma forma sofisticada de vingança, talvez a mais terrível: dar a outra face. Ghandi corroborou. É uma pena que os resultados da técnica proposta por Jesus e Ghandi sejam tão demorados.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Morrer é difícil, mas há uma recompensa: não morrer nunca mais

Esperança é o pior mal. A verdade é um erro sem o qual não podemos viver. Os inimigos da verdade não são as mentiras, mas as convicções. Deus está morto. A recompensa final da morte é não morrer mais.

Dr. Breuer, o médico que inspirou a psicanálise, ouve essas frases de Nietzsche e não consegue dormir. Está na página 75 do romance When Nietzsche wept, Quando Niezsche chorou, que leio no original para treinar meu inglês (treino algumas habilidades, enquanto estou vivo, a principal, a de viver como nasci e como morrerei, sem falsas ilusões e esperanças vãs). Breuer ouve outras como Médicos não têm o direito de privar um homem de sua própria morte. Não consegue dormir porque sabe, no fundo do coração, que Nietzsche está certo.

E ainda, Torne-se o que você é. Pensei que esta fosse um achado freudiano, pois a psicanálise parece não pregar outra coisa, além disso, e de aprendermos a compreender (o mais rápido possível) porque fazemos o que fazemos, o motivo de nossas ações.

A grega Conhece-te a ti mesmo é uma parenta ancestral e próxima de Torne-se o que você é. Decifra-me ou te devoro e Ama o próximo como a ti mesmo são, na minha modesta, parentas de Não faça ao outro o que não deseja a você mesmo.

Pensei que não houvesse mais frases de sabedoria profunda que ainda não tivesse ouvido ou lido. Mas agora, num bestseller, Morrer é difícil, a recompensa final da morte é não morrer mais.

Pelo jeito, terei o que aprender até o último suspiro: é o que nos resta. Viver é perigoso. E para profissionais. Mas espero que médicos, esposa e filhos bem intencionados não cortem o meu barato.