Mas eis que alguém com esse nome, que nome!, Satíe, me escreve no email pessoal, depois de tentar postar infrutiferamente um comentário no blog. Satíe me lembra, músico de carteirinha universitária que sou, Eric Satie, o único compositor francês com senso de humor da história da música. Talvez o único francês com senso de humor.
Uma vez, alguém encontrou Eric Satie nos corredores de um teatro, onde estreava uma nova obra de Debussy. "Uê, você já saiu? O concerto mal começou..." E Satie respondeu "já ouvi a exposição (o tema). Agora, ele (Debussy) vai começar a desenvolver." Isso é tão legal: desenvolvimentos podem ser muito chatos. Eu, pessoalmente, não agüento Debussy, acho tudo longo e sério, poético, mas sem graça. Não que tudo precise de humor, mas graça é outra coisa. Ninguém do meio vai concordar com isso. Debussy é Deus para os músicos. É o melhor compositor para Ricardo Breim. Mas graça é bom. Brigitte Bardot.
Outros gênios em que eu mandaria uma tesoura braba são Beethoven e Brahms. Na verdade, não sei se Brahms é gênio. Se calhar, um dia faço um projeto para editar minhas versões definitivas de várias obras de Beethoven. Elas iam ficar bem mais curtinhas. Não tanto quanto as pérolas de Satie.
Em outra passagem, Debussy diz a Satie que ele é talentoso, tem boas idéias, mas precisa desenvolvê-las mais, pois as peças são sempre curtas. E também que precisava cuidar mais da forma. A forma é muito importante em música pura (sem letra, filme, dança, teatro), que não tem conteúdo (traduzível verbalmente). A resposta à "lição" de Debussy foi um conjunto de peças em forma... de pêra. Todas as peças apresentam uma parte grossa, densa (sonoramente falando, claro) e depois decrescem e terminam num... rabinho. Coda, a parte final das músicas que têm coda (item nem sempre usado nas Formas Musicais), em italiano, o idioma das partituras, quer dizer rabo. As peças são engraçadas. Pena que não tenha alguma aqui para postar. Só pérolas.
Agora, uma Satíe, um mulher chamada Satíe, me manda uma pérola. Um comentário desses já estaria bem bom para cada postagem:
"Oi Mestre, entrei com comentário no blog, mas continua aparecendo 0 (zero) comentário. Só cabem 300 caracteres, ficou assim: Ai que delícia de texto! Gosto de escritores que exigem de seu público agilidade mental, intelectual. A movimentação é tanta no tempo, nas observações intercaladas, que chego a sentir a produção de endorfina, dopamina, serotonina lá no cérebro. Resultado: estou ficando viciada neste blog.
Se coubesse mais, ainda emendaria: E ainda esse olhar masculino vem falando de questões de amor que, prá discutir com parceiro, é preciso agendar alguns dias antes, sinalizando com um delicado pedido de DR (discutir relação). Ai da minha depressão, que não tem sossego...
Bom agora tenho q aguardar o próximo capítulo sem ansiedade, tipo anestesia mental. Por falar em malabarismos mentais, vc já assistiu Quem somos nós? What the bleep do we know? Um filme q fala sobre descobertas recentes sobre o funcionamento/comportamento do cérebro. Também rende assunto... Super beijo, com admiração, Satíe."
O Satíe dela tem acento. Gostei assim.
Que será que está acontecendo com o blog? Será que mais gente quer comentar e não consegue? Por favor, não me deixem sozinho (disse, uma vez, o brasileiro mais sem graça da história do Brasil. O único brasileiro sem graça). Não saberia corrigir o problema, agora que Vivi me deixou para se dedicar à alta costura (www.costurasdavivi.blogspot.com): não tenho a libido da informática. Façam como Satíe, escrevam para o hermelinodepressaoefama@gmail, que substituiu o velho nederman@that.com.br.
Vou dar uma liçãozinha de música: quer um exemplo de forma musical? Este texto tem forma musical: vários elementos que se repetem, alguns que não se repetem, mas que são mais curtos que os que se repetem, os mais importantes. A forma está meio defeituosa, como as pêras de Satie. A introdução está muito longa, e o tema principal, a mensagem da Satíe, demora muito para entrar. Mas texto em prosa não é o melhor lugar para se fazer forma musical. Textos têm conteúdo. Eles precisam de menos forma que as músicas. Se começar a fazer muita forma, vira poesia, a melhor tentativa da fala de se aproximar da forma musical. Coitada da poesia. Nesses termos, é claro.
Será que a liçãozinha é a coda? E esta última pergunta?