Cara leitora, a outra,
Resolvi publicar um trecho de nossa correspondência. Aproveito para perguntar por que você não a iniciou nos comentários do blog. Assim, outras pessoas poderiam participar da conversa, principalmente agora que aprendi a comentar os comentários do leitor dentro da “caixinha” destinada a isso. Bem... já que não foi lá, que seja aqui. Você começou assim:
Será que é possível ter 'conversas' como as nossas numa relação amorosa?? Eu sou muito mais honesta sobre certas coisas com amigos do que com meu marido..... Acho que é porque as conseqüências não são as mesmas. Com você, não tenho medo do que volta para mim. Claro, falo da relação amorosa 'oficial' de namoro ou casamento, com direito ao sexo (rsrs). Porque uma relação amorosa, nos temos, né não??
Sim, temos uma relação amorosa especial. Uma vez, fiz uma pergunta que você respondeu muito francamente, e a pergunta (o casamento mata a amizade?) e a resposta (sim, em todos os meus relacionamentos amorosos, sim) ficaram ecoando tristemente: apesar de saber que os motivos para me tornar o "amargo moralista da verdade" em que me torno cada dia mais não sejam tão nobres quanto a verdade em si, pois é a insegurança que dita lá do fundo a minha pregação, o ideal da verdade é muito bonito (estético), e o contato com ela me parece a melhor maneira de viver (ético). Portanto, ouvir de uma pessoa inteligente que amor, sexo e verdade (esta que só parece possível entre amigos) não podem coexistir, me entristece profundamente. Luiz Pinheiro gostar de citar (provavelmente do budismo) que o verdadeiro sábio não se incomoda com alguém que mente para ele. Ele lida com essa condição humana: todos mentimos. Você me parece mais madura do que eu, mais sábia. Você encara a relação amorosa"oficial" quase que como um mal necessário. Putz, mas é foda ter que fazer sexo e amor como um mal necessário. Ou melhor, não é foda, pois foda é coisa boa.
Será que sou mais sábia? Duvido. Acho que sou mais realista que você. A sua ideia de um relacionamento 'oficial' é tão romântica, idealista. Claro que sempre se pode tentar chegar ao que se quer, atingir o ideal, mas sem realismo, isso gira insatisfação (ou depressão!!). Também, não é que não tenha amizade e companheirismo com meu marido, temos sim. Mas é diferente da amizade com amigos. Há tantos papeis diferentes (mãe, mulher, esposa etc.), que dificilmente as coisas não se misturam.
Obrigado a reconhecer o realismo de suas palavras, meu ‘romantismo’ me leva a tentar um último argumento, em vez de encerrar com seu parágrafo, o que, confesso, fiquei muito tentado a fazer. A coleção das coisas que ‘não podem ser ditas para o cônjuge’, a pessoa com quem lutamos lado a lado (“viver é perigoso”, dizia Riobaldo), essa coleção, que começa pequena mas incha pouco a pouco, azeda as nossas vidas. Já escrevi sobre isso numa das antigas colunas na Folha Online: não faz sentido sermos mais sinceros com amigos do que com o cônjuge, que deveria ser o nosso melhor amigo, pelo menos, estar entre os melhores. Não tratar o parceiro mais importante com a dignidade devida azeda as nossas vidas. Quando mentimos para alguém tão íntimo, temos que mentir em grande medida, talvez em maior medida, para nós mesmo. Isso azeda as nossas vidas: nos deprime, tira a graça de vivermos em paz com o que somos de fato. Aquilo que somos passa a nos parecer esquisito já que precisa ser escondido da pessoa com quem adormecemos. Só nos resta acabrunhar, infantilizar, afetar uma felicidade inexistente... engordar. Por que os casados engordam? Engordar é parar de cuidar de si mesmo, arriscar-se à diabete e ao ataque de coração. Ataque ao coração! Mentir é um ataque ao coração. A mentira acumulada engorda, a gordura como uma metáfora concreta da insatisfação, da falta de paz interior. A aceitação da mentira como realismo, esse tipo de senso comum que nos aconselha a esconder 'certas coisas' (na verdade, certas coisas erradas que fazemos) me parece cada vez mais questionável. Mesmo sendo fã ardoroso da psicanálise, me posiciono contra a defesa que os analistas fazem da mentira conjugal quando a justificam como escudo do sagrado direito à privacidade e à individualidade. A palavra do analista não é qualquer uma: o analisando, inseguro por definição (se não, não estaria no divã), tende a tomá-la como mandamento. O primeiro questionamento a fazer é: se não podemos dizer a verdade àquele que deveria ser o nosso melhor amigo, não seria o caso de refletirmos profundamente sobre as causas que nos mantêm num casamento empurrado com a barriga? (geralmente uma barriga cultivadamente fofa para amortecer tantos impactos que nos feririam a alma se não fossem anteparados). E, se observarmos bem, a mentira é a grande mentira, pois não é possível haver enganação, empulhação, entre duas pessoas que vivem tão intimamente. Os sinais de que as coisas vão mal aparecem na própria maneira de o outro respirar.
domingo, 22 de abril de 2007
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4 comentários:
hermelino, prá mim nem tudo que se pensa deve ser dito, nem tudo que se pensa é verdadeiro, nem tudo que se fala se faz.
então prá que arriscar na verdade (?) qdo se tem uma boa relação de sexo e de alma com alguém?
tem coisas que quando ditas matam.
Anna, você está tão correta no que diz. Só louco, bêbado ou criança diz tudo o que pensa. Contra isso, só posso usar meu problema como argumento: não suporto nem a idéia de me relacionar com uma mulher que minta para mim. Depois que entendi a importância pessoal e intransferível disso, resolvi não mentir (nem trair, consequência de não mentir) para aquela que for minha mulher. Mas as mulheres, mais realistas que eu, mentem. Estou fodido, e em ótima companhia, como Niezstche, que morreu sozinho e, mais que deprimido, louco. Mas cheio de graça e de fama (dê uma olhada na próxima postagem, por favor).
Does this explain things a little perhaps?:
Friendship marks a life even more deeply than love. Love risks degenerating into obsession, friendship is never anything but sharing. (Elie Wiesel)
Oi gente... Eu voltei pra dizer que escrevi um texto muito interessante lá no...(www.buenopues.blogspot.com), que faz um paralelo bastante realista sobre a relaçao existente entre "problemas do casamento X o PuM" ... É A GENTE ACHA QUE ISSO NAO INFLUÊNCIA...mas influência sim!!! Eu início o texto desenvolvendo o mito "príncipe encantado" e descambo no pum... é ótimo...vale a pena ler... antes de separar, deixar escapar alguma coisa e mentir que foi o outro que fez...é melhor olhar para suas próprias maos e nao transformar um punzinho num punzao...
Um abraço e muita sorte!!!
Da Helayne... Tchau!
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